Como ressuscitar o segmento de hatches médios no Brasil
A partir de 2013, o mercado de automóveis zero quilômetro tem sofrido uma crise sem precedentes, a qual trouxe novas tendências e mudanças que vieram para ficar. Uma delas tem incomodado o público entusiasta: a forte queda nas vendas de hatches médios, simultaneamente à explosão das vendas de utilitários esportivos compactos.
Em linhas gerais, os GearHeads apreciam o prazer ao dirigir proporcionado por modelos como VW Golf, Ford Focus, Audi A3 e congêneres, rejeitando a dinâmica desengonçada e desempenho morno de SUV´s compactos – apelidados jocosamente de “jipes Nutella” e “carros de madame” – como Ford EcoSport, Nissan Kicks, Renault Duster e cia.
Confirmando expectativas, as preferências automotivas entusiastas vão de encontro às do consumidor comum, o que causa grande decepção na comunidade GearHead ao saber que um híbrido como o Toyota Prius vende mais que o VW Golf. Não acredita? Confira aqui.
Por sua vez, os fabricantes se mostram os verdadeiros responsáveis pela derrocada nas vendas dos modelos e dois volumes médios. A partir de 2014, os lançamentos nos segmentos passaram por grandes mudanças as quais levaram ao atual cenário. Nas linhas abaixo, far-se-á um diagnóstico mais aprofundado.
O TIRO QUE SAIU PELA CULATRA
Artigos lamentando a queda das vendas de hatches médios e as saudosas peruas se tornaram comuns na comunidade autoentusiasta. Sites como o Save the Wagons canalizam muito bem algumas mudanças nas preferências automotivas com as quais os mais puristas não estão sabendo como lidar.
Como mencionado na introdução, os fabricantes “mataram” ambos os segmentos de maneira deliberada. Os dois modelos da figura abaixo iniciaram o movimento de contração dos hatches médios, ao passo que seus irmãos “mais altinhos” ascenderam ao status de destaque do mercado:

Ford Focus e VW Golf: tecnologia e qualidade europeias, prazer ao dirigir e sofisticação. E queda nas venda. O que aconteceu?
As gerações Mk III do Ford Focus e VW Golf VII trouxeram grande evolução técnica em relação aos antecessores, com aplicação de materiais nobres na estrutura, carroceria e acabamento, refinamentos mecânicos como turbocompressor, injeção direta, transmissão de dupla embreagem e equipamentos de infotenimento alinhados às marcas premium como Audi, Mercedes e BMW. Para os entusiastas, um sonho como o descrito neste artigo.
Infelizmente, estamos no Brasil em um momento do mercado apelidado de “caos automotivo” no qual as vendas de carros novos foi reduzida à metade da máxima de 2012, e a estratégia das montadoras para manter a rentabilidade consistiu em aumentos robustos nos preços desses modelos, ao mesmo tempo no qual deixou de comercializar as versões mais acessíveis, tornando seus preços proibitivos.
Simultaneamente, as mesmas empresas optaram por lançar SUV´s compactos, um segmento com forte tendência de crescimento, custos de fabricação inferiores e menor demanda de tecnologia embarcada, ao mesmo tempo no qual os compradores aceitam pagar o mesmo preço de um hatch médio.
As três afirmações abaixo sintetizam o crescimento dos SUV´s compactos sobre os hatches médios:
Devido ao menor grau de exigência dos consumidores desta categoria e maior percepção de status em um SUV de aparência robusta, aliado aos menores custos de fabricação, assim como a posição de dirigir elevada, maior espaço interno, manutenção mais barata e boa oferta de itens de entretenimento, as montadoras têm privilegiado os utilitários em detrimento de station wagons, hatches e sedãs médios, devido à maior margem de lucro.
Para o consumidor brasileiro, a imagem de carro imponente prevalece sobre o prazer de dirigir.
Vale lembrar que o consumidor brasileiro se mostra conservador quanto à introdução de novas tecnologias, pois tem receio sobre a manutenção e revenda.
Os utilitários compactos utilizam a plataforma de hatches de entrada, como o Honda HR-V divide com o Fit e o Ford EcoSport com o Fiesta. Os motores costumam ser os de modelos compactos, de mecânica mais simples, assim como as plataformas, estruturas, conjuntos de suspensão, direção e freios. Em terras tupiniquins, prioriza-se a simplicidade mecânica em detrimento da tecnologia de última geração.
POR QUE AS GERAÇÕES ANTERIORES VENDIAM BEM?
A partir da explanação acima, depreende-se o porquê de modelos como VW Golf IV, Chevrolet Astra e Vectra GT, Ford Focus e Hyundai i30. Em relação aos sedãs médios, SUV´s e modelos de entrada, não havia este abismo de tecnologia embarcada – e de preços de aquisição e manutenção.
Apesar da tradição de motores potentes, os fabricantes sempre optaram por propulsores tradicionais como os GM Família II 1.8 e 2.0, VW EA111 1.6 e 2.0 e Ford Rocam 1.6 e Duratec 2.0, velhos conhecidos dos mecânicos e de manutenção simples, conectados a transmissões manuais ou automáticas epicicloidais. Conjuntos motrizes com turbo, injeção direta e caixas de dupla embreagem elevam demais o preço final e causam insegurança em proprietários e alguns reparadores.
As versões “pé-de-boi” também desapareceram. As opções sem equipamento de som, com calotas, espelhos e maçanetas sem pintura, pedal de embreagem com alavanca e bancos de tecido praticamente desapareceram. Constam no catálogo, mas se mostram raridade nos estoques dos distribuidores.
Muitos compradores desejam apenas um hatch espaçoso, com boa visibilidade, fácil de manobrar, ágil no trânsito, gostoso de dirigir, completo, mas sem perfumarias desnecessárias como telas multimídia, câmbio com trocas manuais por borboletas, assistentes de mudança de faixa, bancos elétricos, faróis de LED, entre outros. Que o mecânico do bairro conserta com peças baratas e fáceis de encontrar.
Este consumidor ficou órfão de seu Chevrolet Astra ou Hyundai i30 ao perceber a explosão no preço dos novos modelos, por conta do acréscimo de itens supérfluos, mecânica complexa e preços de revisões exorbitantes. Provavelmente, este cliente levou para casa um hatch compacto completinho, um sedan compacto ou…um SUV compacto.
MAKE MID-SIZE HATCHES GREAT AGAIN!
As linhas acima discorreram sobre o mercado de hatches médios desde o final dos anos 90 até a queda sofrida nos dias atuais, um efeito colateral do progresso tecnológico, o qual foi acompanhado pelo preço. A partir daí, pode-se encontrar uma solução simples para fazer este segmento voltar a fazer boa figura nos rankings de vendas – e na mento do consumidor brasileiro.
A proposta a se fazer para as montadoras reside no retorno à simplicidade. Versões de entrada mais simples, apenas com os equipamentos essenciais esperados pelo motorista médio, com motores aspirados, construção simplificada sem perder a qualidade e segurança, retirando todo o excesso de itens supérfluos. Todo o pacote vendido a preços competitivos, similares ou inferiores aos modelos compactos topo-de-linha.
Então os GearHeads vão chiar, pois adoram os modelos “do jeitinho alemão”. Naturalmente, os apaixonados por carro detestam perder refinamento e tecnologia e têm toda a razão em torcer o nariz para a proposta de novas versões “depenadas”. Todavia, as marcas ignoram o pequeno grupo dos petrolheads e focam no grande público, aquele que coloca o dinheiro no caixa da empresa.
Mea culpa: os entusiastas dizem que o VW Golf IV 1.6 é manco, o GM Astra 2.0 usa o motor do Monza e o Hyundai i30 ficava devendo em tecnologia, andava pouco e gastava muito. Tudo verdade.
Ironicamente, o Golf GTI tem uma legião de admiradores e pouquíssimos têm coragem de comprar. O mesmo ocorria com o Astra GSi. Quando a Hyundai lançou a nova geração, as vendas foram um fiasco.
SÍNTESE
Fazendo uma análise mais elaborada, detalhando as vendas por versões, os analistas do mercado automotivo constataram que as vendas das versões mais caras e equipadas permanecem em patamares próximos às atuais. Assim, pode-se concluir que a forte redução na comercialização de hatches médios se deve à supressão das versões mais baratas dos modelos atualizados a partir de 2014.
A VW chegou a oferecer o Golf com motor 1.6 aspirado a preços entre R$ 70 mil e R$ 80 mil, assim como a Ford vende a versão S do Focus a valores próximos ao “irmão” Fiesta Titanium 1.0 EcoBoost. O atual líder do segmento, GM Cruze Sport6 poderia vender ainda mais se houvesse uma versão mais enxuta, apenas com o essencial.
Há um consenso ao afirmar que as versões mais simples não despertam tantas paixões, mas disponibilizar ao consumidor a opção de adquirir um hatch médio “básico” por valor similar a um compacto topo-de-linha faria boa parte dos consumidores optar pelo segmento superior, devido ao maior espaço interno e status de dirigir um modelo de categoria superior.
Por sua vez, conquistaria alguns donos de utilitários compactos devido ao prazer de dirigir, acabamento mais caprichado, melhor desempenho e menor consumo de combustível. Sem lidar com o ônus da mecânica complexa, alto custo de manutenção e tecnologias não desejadas.
Para fazer o segmento de hatches médios grande novamente basta, portanto, reposicioná-los no mercado de modo a atingir um público maior, apenas com os equipamentos mais importantes. Tecnologia avançada demais afasta o consumidor brasileiro.
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