Por que um carro conversível pesa mais do que sua versão fechada?
Uma característica aparentemente contraditória entre automóveis conversíveis e suas versões fechadas consiste no maior peso dos primeiros. Como um veículo o qual -aparentemente – consome menor quantidade de material e necessita de menos peças pode ter maior massa total?
A maioria dos carros de corrida são abertos e muito leves. Como os conversíveis de rua podem pesar mais em relação a modelos com teto?
A engenharia automotiva de chassis fornece todas essas explicações de modo muito claro. Ao compreender como se constrói a estrutura de ambas as carrocerias e as enormes diferenças entre um modelo de pista e outro para as ruas, tudo fica muito simples.
CARROCERIA SOBRE CHASSIS
Com o objetivo de simplificar a explicação, o exemplo da caixa de sapato a torna mais simples. Primeiramente, deve-se ressaltar que ela serve apenas para carrocerias monobloco. Automóveis construídos na forma de carroceria sobre chassis não necessitam de reforços estruturais, posto que a carroceria não pertence à estrutura e todos os esforços recaem sobre as longarinas. Exatamente como nas caminhonetas e caminhões.
A figura abaixo mostra um exemplo de conversível construído no estilo de carroceria sobre chassis, dominante até o final dos anos 60:

Carroceria sobre chassis. Neste tipo de construção, não há, a priori, diferença de peso entre cupês e conversíveis.
MONOBLOCO
A construção monobloco tornou-se o padrão da indústria nos últimos 40 anos e se diferencia pelo fato de a maior parte dos componentes da carroceria possuírem funções estruturais em sua deformação ao fazer curvas, arrancar e frear, absorver impactos em caso de colisões e capotamentos e melhor gerenciamento do package do veículo.
Outras vantagens consistem no menor peso, maior rigidez torcional, melhor controle dimensional na fabricação, custos de produção reduzidos e
Apenas as partes móveis como portas, capô, tampa do porta-malas não têm função estrutural no chassis e carroceria do veículo. O teto retrátil dos conversíveis também não são componentes estruturais, ao contrário do que ocorre com os cupês e demais veículos fechados.
Esta é a principal diferença estrutural entre um automóvel com teto retrátil e outro fixo. Do ponto de vista construtivo, a “falta” da capota exige um projeto de chassis totalmente diferente. Fazendo uma analogia com a construção civil, construir com vigas em balanço se mostra muito mais desafiador em relação a construir uma estrutura de concreto armado.
A CAIXA DE SAPATO
Para compreender de forma elementar como ocorre a construção de uma estrutura monobloco de um carro de passeio, pense em uma caixa de sapatos. A plataforma do automóvel torce e se deforma conforme este é submetido a solicitações dinâmicas.
Agora imagine uma caixa de sapatos com quatro rodas, uma em cada uma de suas extremidades, fazendo curvas, dando arrancadas e frenagens. Para desenvolver o exemplo, fixa-se dois cenários: no primeiro utilizando a caixa de sapato com a tampa; e no segundo, sem a cobertura.

Monobloco de um modelo sedã. Observe a função do teto na obtenção da rigidez torsional.
Sem dificuldade, percebe-se que a caixa com a tampa sofre menos torções e deformações em relação ao cenário sem a tampa, na qual ela se torna significativamente bastante flexível e sujeita a flexão e deslocamentos entre suas partes.
Neste exemplo, a caixa com tampa representa o automóvel de teto fixo; a caixa sem tampa, o conversível.
Um monobloco de pouca rigidez acarreta uma série de problemas ao automóvel, tais como estabilidade deficiente, alto nível de ruído, torção da carroceria e desalinhamento das partes móveis e peças de acabamento, trincamento de vidros e baixa durabilidade.
Os motoristas mais velhos certamente se recordam dos Ford Escort XR3 e Chevrolet Kadett conversíveis e seus problemas de alinhamento de carroceria, tais como portas que não fecham, capotas emperradas, vidros trincados pela torção e todo tipo de ruído de metal contra metal, dando a impressão de estar dirigindo uma charrete de tanto “nheco-nheco”.
Exemplares com mais de cinco ou seis anos fatalmente padeceriam de problemas de monobloco, posto que não havia nenhum reforço estrutural além daqueles arcos que faziam a função da coluna B (central). Visitas ao funileiro para alinhar portas como a da figura abaixo tornavam-se uma obrigação mensal.

Portas e tampas desalinhadas se mostravam uma constante nos cabrios mais antigos.
O dono que descuidasse do alinhamento da carroceria poderia sofrer panes muito mais graves, como abaixar a capota e não conseguir fechá-la devido à torção, exatamente no momento de início de uma chuva torrencial. O trágico resultado consistia em um conserto salgado da capota e bancos e tapeçaria com cheiro de mofo. Ou chegar atrasado para um compromisso e a porta se recusar a fechar, sendo necessário o uso da força bruta a ponto de amassar o painel da porta.
UM CARRO “MUTILADO”
Do ponto de vista da engenharia de chassis, os automóveis conversíveis consistem em “carros que faltam um pedaço” ou “carros mutilados”. Da mesma forma na qual engenheiros civis aplicam reforços na estrutura de sustentação das vigas em balanço, a estrutura de um modelo de teto escamoteável recebe aços nobres nas regiões que assumem a função do teto em manter a estabilidade da estrutura.
O site volkspage.net forneceu um desenho da estrutura do Bentley GTC, marca do Grupo Volkswagen, no qual as peças em verde e amarelo mostram a aplicação dos reforços estruturais na estrutura do cabriolet da marca de alto luxo britânica.

As chapas de aço de alta e altíssima resistência mitigam os problemas de torção, asseguram o bom desempenho nos crash test, mas “engordam” o peso total.
Com a descoberta de novos materiais e popularização de materiais nobres como aços-liga de alta super-alta e ultra-alta resistência, o gap de performance e diferença de peso entre os modelos conversíveis e cupês têm diminuído fortemente.
No passado um modelo aberto pesava cerca de 100 quilos a mais, chegava aos 100 km/h de 1 a 2 segundos depois e sua velocidade máxima sofria redução de até 30 km/h. Atualmente, já há modelos com diferenças de 20 quilos entre si, diferenças tão pequenas como 0,2 segundos na aceleração até 100 km/h.
Infelizmente, a velocidade máxima de conversíveis permanece em até 30 km/h abaixo dos modelos de teto fixo, pois o papel da aerodinâmica fala muito alto. As medições são efetuadas com a capota fechada, naturalmente. Por outro lado, um avanço consiste na melhoria do conforto aerodinâmico acima dos 200 km/h com o teto abaixado.
Os engenheiros exaltam o bom trabalho realizado, mas os donos raramente ultrapassam os 80 km/h sem recolhê-lo, pois o ruído chega a níveis os quais inviabilizam conversar e ouvir rádio acima desta velocidade. E ninguém vai arriscar falar no celular e ver o seu iPhone ou Galaxy ser atirado como um míssil para fora do veículo por uma rajada de vento.
Mesmo assim, o emprego intensivo de materiais de alto custo torna a diferença de preço entre eles ainda maior. Em contrapartida, os problemas de torção de carroceria e resultados em testes de impacto apresentam pouca ou nenhuma diferença em relação aos modelos convencionais.
De qualquer forma, os materiais modernos e de alta resistência têm reduzido as deficiências típicas de modelos conversíveis, incluindo o maior peso. Nos modelos mais antigos ou de menor tecnologia, sem aplicação de aços, ligas, compósitos e metais nobres, os quilos a mais persistem.
CUPÊ X CABRIOLET
Abaixo, alguns exemplos de modelos com versões de teto fixo e retrátil. Em todos os casos, há acréscimo de peso de 20 a 150 quilos e sempre há pequena perda na aceleração de 0 a 100 km/h, assim como a redução de até 20 km/h na velocidade máxima devido à massa agregada para reduzir a torsão e à aerodinâmica prejudicada devido ao formato do teto.
Quem deseja um modelo conversível deve ter sempre em mente o fato de que o modelo fechado sempre entregará o melhor desempenho, conforto e menores custos de manutenção. No Brasil, arrombamentos ocorrem com frequência e um conversível e mostra muito mais vulnerável. Os atuais sistemas de capota elétrica se mostram confiáveis, mas o reparo de um eventual defeito pode custar na casa dos cinco dígitos com facilidade.
Os prós dos modelos descapotáveis – como se diz em Portugal – se mostram estritamente emocionais: o prazer do sol e do vento no rosto, ouvir o ronco do motor com mais clareza, ver e ser visto nos lugares badalados e curtir o verão em um modelo exclusivo.
Mais uma vez, a escolha varia conforme o perfil do felizardo: os que apreciam o melhor desempenho devem escolher os modelos fechados. Aqueles que desejam curtir a brisa e ser notados – e prepararam o bolso – encontrarão muito prazer em um conversível.