Da prancheta à sua garagem – a saga de um carro
Ao sentar em nossos carros para dirigir até onde desejamos, a esmagadora maioria de nós não faz ideia da quantidade inacreditável de processos, pessoas e recursos financeiros e materiais envolvidos para podermos realizar o sonho de possuir um automóvel.
Para que o consumidor consiga ir a revendedores e adquirir seu modelo zero, seminovo, usado ou clássico com grande facilidade, dezenas de milhares de pessoas despenderam esforços para que isso aconteça em um processo tão simples.
Este artigo traz uma reflexão sobre a saga de uma automóvel, de sua concepção, desde o projeto na tela de um computador da equipe de projeto do fabricante até a sua garagem. Vamos refletir um pouco neste artigo:
ENGENHEIROS, TÉCNICOS, DESIGNERS E PROJETISTAS
A existência de um automóvel acontece, primeiramente, na cabeça de um engenheiro de produto altamente experiente. Em seguida, a proposta do novo projeto é enviada para a alta direção da empresa e – sorte grande! – aprovada.
Doravante, o engenheiro-chefe mobilizará um exército de milhares de engenheiros com a meta de transformar a ideia que existe apenas na sua mente em um veículo para ser comercializado em todo o País – quiçá no mundo todo. Eles projetarão peça por peça e realizarão testes exaustivos para se certificar que tudo está dentro do padrão de qualidade.
Cada um desses profissionais viveu uma história de luta e superação, concluindo um curso dificílimo, com cálculo, física, química, mecânica, resistência dos materiais e todo tipo de matéria cabeluda. Abdicaram de momentos de diversão com a família, filhos, pais, amigos e namorada(o) para estudar por 5, 6, 7 ou até 9 anos para obter o diploma.
Após árduos processos seletivos, conquistaram seu tão sonhado emprego na indústria automobilística, seja em montadoras, autopeças, sistemistas ou demais fornecedores. Dedicaram toda uma carreira trabalhando duro e se atualizando com as novas tecnologias, cursando especializações, mestrados, doutorados e MBA´s em busca de mais conhecimento, a fim de obter destaque em sua especialidade.
Aprovada a execução do projeto, estabelecidos os prazos e levantados os recursos, esta legião de milhares de profissionais de todas as áreas empenharão seus esforços por 18 a 60 meses para fazer a ideia virar um produto pronto para ir ao mercado. Além dos engenheiros, designers e técnicos das montadoras, uma legião de fornecedores também estarão envolvidos no processo de seus componentes e sistemas.
O próximo passo consiste em fazer o projeto das linhas de produção, design dos processos de fabricação, treinamento dos trabalhadores da linha de produção, definição dos parâmetros de qualidade, centenas de testes em todos os setores da manufatura até chegar a um processo estável, pronto para produzir automóveis para o consumidor final.
As áreas auxiliares também desempenham papel fundamental para o sucesso do modelo no mercado, como o marketing, vendas, logística, custos, contabilidade, financeiro, qualidade, recebimento e expedição, gestão de materiais, planejamento de controle de produção, manutenção e conservação de equipamentos e edificações, relacionamento com revendedores e dezenas de atividades fundamentais. Mais alguns milhares de profissionais das mais variadas formações estão comprometidos com a cadeia automotiva.
FORNECEDORES DE MATÉRIA-PRIMA
Todos os insumos e matérias-primas têm origem em produtos extraídos da natureza: aço, alumínio, silício, petróleo, cana-de-açúcar, madeira, têxtil, couro e mais uma longa lista. Diversos setores da indústria, especialmente as siderúrgicas, petrolíferas e petroquímicas, empregam dezenas de milhares de trabalhadores e exigem dezenas de bilhões de reais em investimentos em máquinas, equipamentos e desenvolvimento de novos produtos.
O automóvel consiste em um dos bens mais complexos de produzir, demandando materiais das mais variadas manufaturas, sem as quais a produção do automóvel seria inviável.
AUTOPEÇAS E SISTEMISTAS
Extraídos os insumos básicos, a indústria se põe a fazer a transformação dos materiais brutos nos componentes do produto final. A maioria dos automóveis possui de 2 mil a 5 mil peças. Sua produção envolve centenas de fornecedores, entre indústrias de autopeças, sistemistas e as próprias montadoras. Motores e transmissões costumam ser produzidos pelos fabricantes de automóveis, geralmente em plantas voltadas exclusivamente para eles e expedidos para as montadoras.
Neste estágio, os “órgãos” do veículo são produzidos pelas fábricas de autopeças, agrupadas em módulos pelas sistemistas, nas quais seguem para a linha de montagem do produto final, na montadora. Esta última transforma os aços planos em plataformas e carrocerias, aplica os tratamentos anticorrosivos nas chapas juntamente com a pintura para seguir para a montadora, normalmente na mesma planta.
Vale lembrar que uma grande cadeia logística, envolvendo um grande número de trens, navios, caminhões e até aviões, transporta os materiais brutos para os fabricantes de autopeças, sistemistas e para o fabricante, para seguir para a montadora. A cadeia logística será abordada com maiores detalhes.
MONTAGEM DO PRODUTO FINAL
Frequentemente, considera-se o significado das palavras fabricante e montadora como se fossem a mesma coisa, o que não é correto. Estes falsos sinônimos geram confusão pelo fato de todo fabricante se tratar de montadora, mas nem toda montadora é fabricante.
Para compreender com precisão, deve-se levar a palavra ao pé da letra, à moda portuguesa. A montadora apenas monta carros. O fabricante produz parte ou todos os componentes para depois montá-los dentro da empresa. Exemplificando, os modelos da BMW e Hyundai-CAOA chegam ao Brasil em kits CKD (completely knocked down, ou “totalmente desmontados”, em inglês). Ou seja, todas as peças e partes dos automóveis são fabricados por outras empresas no exterior e apenas montadas por aqui.
Assim, estas duas fábricas se tratam de montadoras “puras”, pois peças fabricadas em outros países não transformam a montadora em fabricante, posto que a BMW do Brasil e a BMW AG, alemã, constituem empresas distintas.
Entre as fabricantes, existe um parte da empresa atuando como produtora de autopeças ou sistemista, consistindo a montadora no setor dentro da fábrica com a responsabilidade de juntar todos os subsistemas e componentes até a conclusão do produto final, pronto para ser entregue ao cliente final.
Todos os funcionários já citados no primeiro tópico se envolvem neste processo, tanto no chão de fábrica como no recebimento, movimentação dos materiais até seu local de manufatura, operação e manutenção dos equipamentos utilizados na produção, controle de qualidade, inspeção final e condução dos carros prontos ao pátio, os quais aguardarão o setor de vendas faturá-los aos revendedores, colocá-los nas cegonheiras e enviá-los às lojas.
VENDAS E MARKETING
Pronto, seu carro “nasceu”! Ele está repousando em um pátio enorme enquanto aguarda o faturamento para uma concessionária, na comercialização para pessoa física, ou jurídica, na modalidade de venda direta. Uma equipe de vendas com centenas de funcionários entra em contato com potenciais compradores para decidir quem será o responsável por distribuí-lo ao cliente final.
Faturados os veículos, outra equipe de centenas de funcionários do setor de expedição os retiram do pátio e embarcam nos caminhões-cegonha, como exemplifica a imagem acima; cada um deles vale tanto quanto um apartamento em bairro nobre. Encaminhando-os ao cliente final, na modalidade de venda direta; ou para as concessionárias, na comercialização tradicional, no qual permanecerá no estoque da revenda até a preparação para a entrega.
REVENDEDOR/DISTRIBUIDOR
O último estágio entre o automóvel e seu feliz proprietário gera memórias vívidas em todos os compradores. Sejam elas boas ou ruins, o setor de comércio de veículos novos, usados e antigos emprega centenas de milhares de trabalhadores e se situa como a ponte entre os fabricantes e o consumidor final.
Este setor se mostra tão grande quanto o de produção de veículos, posto que o mercado de seminovos e usados movimenta o dobro de unidades do mercado de zero quilômetro.
Por trás do vendedor/consultor existe uma grande equipe de despachantes, documentistas, mecânicos, funileiros, eletricistas, instaladores de acessórios, auxiliares de limpeza e preparação dos veículos para entrega e demais membros da revenda.
Uma vez vendido o automóvel, este deixa o estoque da concessionária ou revenda de seminovos para receber a preparação para encontrar seu primeiro ou último dono, ansioso para levá-lo para sua garagem. Infelizmente, há outras tarefas – burocráticas – a se fazer antes de homem e máquina desfrutarem da companhia um do outro.
BANCOS E FINANCEIRAS
Não é obrigatório, mas está presente na grande maioria das transações envolvendo veículos automotores.
Mais de 90% das vendas de veículos leves e comerciais são efetuadas via alguma modalidade de financiamento ou consórcios. Uma grande indústria bancária gira em torno do comércio de automotores, assegurando grande parte dos faturamentos ao consumidor final e empregando milhares de pessoas no setor financeiro.
DESPACHANTES E EMISSORES DE DOCUMENTOS
Eis a parte mais chata da compra e venda de veículos. Para registrar a propriedade do automóvel, motocicleta ou comercial, pagar todos os impostos, taxas, débitos, licenciamento e emplacamento se mostram necessários. Em caso de veículo zero quilômetro ou mudança de cidade, há uma fábrica de placas para realizar o emplacamento ou mudança de cidade.
A manutenção e registro de documentos de veículos emprega centenas de milhares de pessoas em todo o Brasil, responsáveis por manter informações sobre a frota.
INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE ACESSÓRIOS
Os fabricantes produzem os componentes originais para veículos novos e mercado de reposição, abastecendo os usados que precisam de reparos e substituição de itens de desgaste ou danificados. Por sua vez, existem os profissionais dedicados a atender as demandas dos motoristas por personalização e/ou itens com os quais os veículos não saem da fábrica.
A indústria, comércio e instalação de acessórios constitui uma atividade mais lucrativa que a própria venda de automóveis novos e seminovos. Posto isso, tem se mostrado a menina dos olhos dos donos de concessionárias e lojas de seminovos, devido ao fato de permitir maiores margens de lucro, frequentemente maiores que a venda do carro ou moto.
Um mercado em franco crescimento nos dias de hoje é o de tuning e preparação. Muitos aficionados pro carros deixam verdadeiras fortunas em lojas e oficinas do ramo para instalar turbocompressores, chips de potência, comandos esportivos, pistões, bielas e demais partes móveis do motor de ligas nobres, suspensões a ar, de rosca ou rebaixamento com corte de molas, aerofólios, spoilers e demais apêndices aerodinâmicos e todo tipo de modificação possível e imaginável.
Equipamentos de som e vídeo também obtém grande mercado, especialmente depois da difusão das centrais multimídia e DVD´s automotivos. Não é raro encontrar carros nos quais o valor dos dispositivos de áudio superam em muito o do próprio veículo.
Acessórios funcionais e estéticos como bancos em couro, calhas de chuva, racks para bicicletas, para-choques de impulsão, engates de reboque, capas para volante e bancos, revestimentos para alavancas de câmbio e pedais, película de proteção solar são alguns exemplos de outros acessórios que movimentam uma grande indústria geradora de centenas de milhares de empregos e dezenas de milhares de micro e pequenas empresas.
COMBUSTÍVEIS E LUBRIFICANTES
Todo veículo precisa de combustível para rodar e lubrificantes para manter-se plenamente funcional, por óbvio. Os automóveis e veículos comerciais movimentam dois dos mais importantes setores da economia, maiores que a própria cadeia automotiva: a indústria petrolífera e sucroalcooleira, esta última mais relevante no Brasil.
MECÂNICOS E REPARADORES

Reparadores
Da mesma maneira que todos os veículos necessitam de combustíveis e lubrificantes, eles precisam de mecânicos, eletricistas, funileiros, tapeceiros e toda gama de profissionais de manutenção, conservação e reparo.
Centenas de milhares de donos de oficinas consomem avidamente equipamentos, cursos, treinamentos e compram quantidades consideráveis de peças de reposição para os veículos de seus clientes. A diversidade de atuação se mostra enorme nesta área: desde o mecânico “faz-tudo” de bairro até o especialista em superesportivos, ou o restaurador de modelos clássicos com motor a ar da Volkswagen.
Da mesma forma dos vendedores e instaladores de acessórios, os mecânicos e reparadores aparecem em grande número e desfrutam de ampla gama de atuação.
OPERADORES LOGÍSTICOS
Por último, mas não menos importantes, os operadores logísticos merecem uma menção honrosa devido à onipresença em toda a cadeia. Apesar de trabalharem para toda a sociedade, sua importância para a indústria automotiva se mostra ainda mais essencial.
Tudo, absolutamente tudo, precisa ser transportado de cá para lá, daqui para acolá, e para isso os caminhoneiros, pilotos de aviões cargueiros, comandantes de navios transcontinentais, maquinistas e controladores de ferrovias e demais trabalhadores do setor de transportes desempenham papel decisivo para o veículo sair das jazidas de petróleo e minério de ferro até chegar pronto e zero quilômetro à sua garagem, a gasolina chegar ao posto e as peças de reposição às oficinas.
Milhões de transportadores permitem que a cadeia automotiva possa existir, mesmo atuando de forma dispersa. Sem logística não existe automóvel.
10% DA FORÇA DE TRABALHO
Os principais setores da cadeia automotiva foram mencionados neste texto e empregam de 5 a 7 milhões de brasileiros, perfazendo quase 10% da força de trabalho. Um número enorme de pessoas dedicam suas vidas e envidam esforços e dinheiro para fazer esta indústria funcionar.
Finalmente, fica a reflexão: toda vez que sentarmos em nossos automóveis, motocicletas, caminhões, ônibus, tratores e vans para dirigi-los, devemos agradecer a todos os profissionais que permitem que sua existência seja possível.
Desde os engenheiros que estudam anos a fio para criar e conceber os produtos, passando pelos trabalhadores de chão de fábrica que os produzem, pelos trabalhadores do comércio de veículos, peças e acessórios, mecânicos, reparadores, petroleiros, trabalhadores do setor sucroalcooleiro, operadores de logística até o frentista que abastece o tanque de seu carro.
Nesta cadeia tão complexa e fustigada pela crise, todos os profissionais merecem nosso muito obrigado por trabalhar para que nossos carros existam e rodem bem.
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