O que a Fiat precisa fazer para sobreviver à crise automotiva e se manter líder
Em 2002, a Fiat desbancou a Volkswagen como líder global em vendas por unidades, encerrando um reinado que durou décadas. Naquele momento, o mercado passava por uma grave crise e profundas mudanças estruturais, incluindo as preferências do consumidor. A montadora italiana soube aproveitar e tomou a dianteira do mercado, onde se mantém até os dias atuais.
Porém, o mercado está novamente mergulhado no caos. A Fiat, assim como suas duas principais concorrentes, Volkswagen e General Motors, têm sistematicamente perdido participação de mercado para as novas marcas, as quais entraram em nosso mercado a partir dos anos 90. Do quase oligopólio de 1994, quando as três grandes detinham 82% do mercado, a fatia caiu para 51% nos dias de hoje. Tudo está mudando rapidamente e os consumidores estão mais exigentes. Será que a fábrica de Betim vai segurar a concorrência?
Para analisar melhor, precisamos elencar as forças e fraquezas da marca, e analisar as mudanças de mercado. Primeiramente, vamos elencar os trunfos:
1. É uma marca com imagem consolidada – muitos motoristas simpatizam com a marca, especialmente aqueles que gostam de rodar gastando pouco na compra, combustível e manutenção de seu veículo. Esta característica se observa nos seus modelos de entrada. Por outro lado, outros consumidores torcem o nariz para a Fiat, pois consideram seus produtos de qualidade inferior, o que será detalhado mais à frente. Em suma: independente das preferências, todos conhecem a Fiat e têm opinião muito clara sobre ela.
2. Os veículos são baratos de comprar e de manter – exceto os modelos mais caros, como Linea, Bravo, Freemont e alguns mais antigos, como Tipo, Tempra e Marea. Os modelos mais acessíveis são mais baratos que os equivalentes da concorrência, o que favorece o consumidor que tem orçamento limitado. Isso também vale para preços de peças e serviços como revisões.
3. Vasta rede de concessionárias – este ponto é muito importante para quem mora no interior e nas regiões norte e nordeste, no qual os pontos de atendimento são mais difíceis de encontrar. O consumidor fica mais tranquilo em saber que há um revendedor na sua cidade ou bairro, sem necessidade de grandes deslocamentos para dar manutenção no veículo.
4. Simplicidade e robustez mecânica – a mecânica Fiat, especialmente os modelos equipados com motor Fiasa e Fire, são velhos conhecidos dos mecânicos e possuem farta oferta de peças. Também são robustos e econômicos, além de adaptados para a realidade brasileira. Novamente, a exceção fica para os modelos mais caros, descritos acima.
5. Facilidade de revenda – devido à grande aceitação, à robustez mecânica e manutenção fácil e barata, os veículos da Fiat costumam ser bons de revenda, com exceção de algumas versões esportivas e dos veículos mais caros elencados anteriormente. A manutenção cara tornou estes modelos rejeitados pelo mercado, ao contrário de seus “irmãos” mais acessíveis.
Essa fórmula tem funcionado até o momento, mas vale lembrar que o mercado está mudando e velhos reinados cairão, se as marcas não inovarem. A Fiat está sujeita a grandes ameaças, causados pela mudança no perfil do consumidor e no avanço dos concorrentes. Elas são:
1. Qualidade e durabilidade – os consumidores mais exigentes enxergam os carros da Fiat como de qualidade inferior, e institutos de pesquisa mostram que a maioria dos concorrentes, especialmente as marcas japonesas, que estão muito à frente neste quesito. O ponto essencial na mudança das expectativas dos consumidores reside na qualidade, a qual deixou de ser diferencial e se tornou fundamental para a sobrevivência de um fabricante em nosso mercado. Outros veem os veículos da montadora de Turim como “descartáveis”, e relatam que o acabamento é de plástico duro e solta rapidamente, gerando muitos ruídos no interior. Se a Fiat deseja alcançar novos consumidores, precisa melhorar a qualidade ao nível dos seus rivais mais próximos.
2. Atendimento nas concessionárias – o trunfo da quantidade de distribuidores vira defeito no que tange à qualidade. Um anseio importante do motorista moderno é receber um bom pós-venda, tendo seus problemas solucionados, a um preço razoável e com bom atendimento. A Fiat precisa melhorar neste aspecto, pois o treinamento dos vendedores e consultores deixa a desejar, segundo os clientes relatam.
3. Defasagem tecnológica – comparando com rivais mais modernos, a Fiat mantém motores robustos, mas com tecnologia antiga. Por exemplo, não há motor 1.0 de três cilindros, os motores 1.4, 1.6 e 1.8 perdem em performance para quase todos os concorrentes e não há um propulsor mais potente. Em equipamentos, especialmente os de segurança, não acompanha a concorrência. As plataformas são antigas, algumas datando dos anos 90, resultando em notas baixas nos testes de impacto. O espaço interno também fica prejudicado.
4. Estatísticas de roubos, que resultam em alto valor de seguro – este problema também acomete outras marcas, especialmente a Volkswagen. No passado, uma vantagem da Fiat em relação a montadora alemã era o prêmio de seguro mais em conta. Infelizmente, houve aumento nos sinistros e os valores se equipararam, em um patamar alto. Enquanto a rival tem investido mais em tecnologia anti-roubos e reduzindo o número de peças compartilhadas entre os modelos, a fábrica italiana não tem reagido com tanta rapidez.
5. “Fiat é carro de empresa” – a Fiat faz muitas vendas diretas para empresas e taxistas, o que compromete a margem de lucro da empresa, pois as pessoas jurídicas possuem melhor poder de barganha. Para o consumidor comum, o fato de os carros serem muito parecidos com os de frotistas também incomoda, transferindo a preferência para outras marcas. Outra exigência do brasileiro é a diferenciação, principalmente estética, e a falta de opções de personalização pode atrapalhar.
6. Os veículos vendidos nos países desenvolvidos não vêm para o Brasil – a maioria das vendas da Fiat são de projetos feitos no Brasil, o que não é bem visto por muitos compradores. Eles desejam ter o mesmo veículo do seu colega italiano ou alemão, e o fato de os projetos europeus não virem para cá prejudicam a percepção de qualidade dos mais exigentes. Trazer veículos mais sofisticados, como foi feito nos anos 90 e início dos 2000, ajudaria a melhorar a imagem da marca.
A imprensa especializada reconhece as qualidades da Fiat e que seus veículos são muito conhecidos e adaptados para o gosto do brasileiro. Entretanto, também a acusam de não ser mais inovadora como no passado e de não investir em tecnologia de ponta, se resumindo a fazer mudanças estéticas em veículos antigos. A qualidade abaixo da média, dos produtos e do pós-venda, também pesa negativamente e ameaça sua liderança, visto que o que era diferencial passou a ser essencial. Assim como as suas três maiores rivais, a Fiat precisa se reinventar para continuar a ser líder.