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Câmbios de 9 e 10 velocidades. Para quê tanta marcha?

câmbio de muitas marchas

Nos primórdios da indústria automotiva, o simples fato de um veículo andar sem tração animal já se mostrava algo fantástico. Os motores raramente rendiam mais de 10 cavalos de potência e não ultrapassavam os 40 km/h. Assim, podiam ser conectados diretamente ao eixo de tração.

Como era de se esperar, a tecnologia progrediu rapidamente e os propulsores passaram a entregar até 100 cavalos na primeira década do século XX. Logo, os engenheiros perceberam que poderiam aprimorar a performance dos veículos acoplando caixas de transmissão entre o motor e as rodas, a exemplo de equipamentos industriais como teares e moinhos e outros veículos como os trens. Inicialmente, foram usados sistemas de duas marchas, baixa e alta.

Com a marcha da tecnologia de transmissões, chegamos ao tempo no qual podemos adquirir facilmente modelos com até dez marchas – excetuando caminhões e ônibus com suas reduzidas. Mas quando se fala sobre as vantagens das múltiplas marchas, os céticos sempre fazem a pergunta fatídica:

PARA QUÊ TANTA MARCHA?

A resposta é muito clara…

…mas precisamos destrinchar o histórico das caixas de câmbio e seu paulatino acréscimo de velocidades.

Nos anos 30, com a tecnologia avançando a passos largos, a quase totalidade dos veículos era equipada com caixas de três velocidades. A partir da década de 50, predominaram as transmissões de quatro marchas aos moldes das utilizadas pelos NASCAR´s até os dias de hoje.

Nos anos 70 e 80, os veículos mais avançados ganharam a quinta marcha, com notável ganho de performance e economia. Nos anos 90, começaram a aparecer as primeiras caixas de seis marchas em modelos de grande volume de produção, mesmo que com pouco sucesso devido ao desconforto causado pela necessidade de constantes trocas de marchas.

A partir dos anos 2000, popularizou-se no Brasil o câmbio automático. Ao redor do mundo, sua aplicação cresceu vertiginosamente com seu aprimoramento tecnológico. Conforme seus problemas de rendimento, perda de desempenho, aumento de consumo de combustível, confiabilidade, alto peso e manutenção complexa e dispendiosa foram se resolvendo, a transmissão sem pedal de embreagem também ganhou múltiplas velocidades.

Caixas com seis ou mais velocidades não se popularizaram em suas versões manuais devido ao desconforto das trocas constantes, mas caiu no gosto do consumidor com o avanço técnico das versões automáticas e automatizadas, as quais poupam o braço e pé esquerdo do motorista.

Modelos antigos e pesados, de quatro marchas foram rapidamente substituídos por outros mais modernos de seis, sete, oito, nove e até dez marchas, a exemplo da nova caixa a ser compartilhada por – pasmem – Ford e GM, nos novos F-150 e Camaro, entre dezenas de modelos (confira aqui).

E quais são as vantagens? Motoristas que dirigem desde os anos 70 se lembram claramente do ganho de desempenho e economia dos modelos com a quinta marcha naquele tempo. A lógica é a mesma, e quanto mais velocidades, mais a vantagem se amplia. Abaixo, as mais lembradas:

1 – Redução dos “buracos” entre as marchas: Nos modelos com motores com menores potência e torque, como os de mil centímetros cúbicos dos anos 90, a solução usual consistia em fazer uma primeira marcha extremamente curta. O objetivo residia em entregar performance suficiente para que o veículo subisse qualquer rampa totalmente carregado.

Porém, ao subir para a segunda marcha, havia a necessidade de fazer a troca a rotações elevadas para manter o carro embalado, ou havia aquele “buraco” no qual o motor entregava pouquíssimo torque e desempenho “chocho” até encher novamente. As retomadas demoravam uma eternidade e as saídas de lombada exigiam paciência.

Um câmbio com muitas marchas permite um  escalonamento mais próximo entre elas, evitando grandes quedas de rotação e os “buracos”. Ao se passar da primeira para segunda, um modelo de quatro marchas girava a 4500 rpm em primeira para ínfimos 1800 rpm em segunda. Um motor com baixo torque entrega bom rendimento acima de 3000 giros, causando um “apagão” de alguns segundos até encher novamente.

Ao ganhar a caixa com a quinta velocidade, era possível aproximar as relações e permitir uma queda de 4500 para 2500 giros, reduzindo drasticamente o “buraco” e sanando o problema. À época, as montadoras reportavam ganhos de 2 a 5 segundos na aceleração de 0 a 100 km/h e superiores a 10 segundos em retomadas, especialmente de 40 a 100 km/h.

Em uma hipotética montagem deste propulsor a um câmbio de nove marchas, as duas primeiras seriam substituídas por quatro trocas automáticas, com “buracos” imperceptíveis e a eliminação da necessidade de trocas a rotações elevadas, posto que a queda de rotação raramente é superior a 500 giros. No popular, é “uma marcha colada na outra.”. Isso leva à segunda vantagem.

Leia também: O carro 1.0 é sempre mais econômico?

2 – Primeiras marchas muito mais curtas e últimas marchas muito mais longas: A proximidade entre as relações dispensa trocas a rotações muito elevadas em condução normal. No exemplo acima, as trocas ocorrem a cerca de 2500 rpm, levando a uma queda da rotação para 2200 rpm na segunda marcha. Continuando a aceleração, o giro sobe novamente a 2500 rpm e cai para 2000 rpm na terceira. Sobe para 2300 e cai para 1800 giros subindo para a quarta marcha.

Neste post, veja o que é câmbio curto e câmbio longo

O resultado consiste em menos rotação, menos ruído e menos consumo, posto que o propulsor trabalha próximo à rotação de torque máximo o tempo todo. Do lado da performance, os benefícios são os mesmos: melhor aceleração, melhores retomadas, maior capacidade de tração com veículo carregado e mais força em subidas.

Em veículos off-road, as transmissões de múltiplas velocidades podem simular marchas reduzidas ao utilizar escalonamentos bastante curtos na primeira marcha – cerca de 5:1 -, a qual não se utiliza em condições normais.Ou seja, no asfalto plano, o veículo arranca em segunda e a primeira entra em ação apenas em condições severas, como pista molhada, fora-de-estrada, veículo carregado ou uma combinação destas. Trata-se de uma solução mais simples e amigável para substituição das caixas de transferência em veículos de proposta mista (crossovers). Neste post, aprenda um pouco sobre eles.

Na outra ponta, as marchas mais altas possuem relações muito mais longas, permitindo rodar em rodovias a rotações muito baixas – como 2000 rpm a 120 km/h – favorecendo a economia de combustível e o conforto a bordo. Em um passado recente, um veículo 1.0 rodava à mesma velocidade a cerca de 4 mil giros em quinta marcha, ao passo que um 1.8 fazia a mesma velocidade de cruzeiro a 2500 rpm.

Hoje, encontra-se caixas com relações de 0,6 para 1 em última marcha, ao passo que as tradicionais manuais de cinco marchas raramente ofereciam relações menores que 1:1. Com exceção do CVT, claro, devido ao seu próprio modo de funcionamento de relações de marcha continuamente variáveis, ou “infinitas”.

Aprenda mais sobre os tipos de câmbios automáticos no post Os câmbios manuais e automáticos são todos iguais? e os cuidados importantíssimos com a sua manutenção em Se o seu carro tem câmbio automático, este cuidado é importantíssimo. Evite um prejuízo enorme!

3 – (Quase) todos são automáticos. Ou permitem trocas manuais: O primeiro modelo brasileiro com câmbio de seis marchas foi o Fiat Siena 1.0 6 marchas, lançado em 1999. Um veículo pesado (990 kg) e com motor de parcos 57 cavalos conseguiu um desempenho compatível com os concorrentes, mas as relações curtas pediam constantes trocas de marcha. Este “trabalho braçal” para guiá-lo, o design acanhado e o alto consumo de combustível fez o modelo virar “mico” no mercado de usados e prejudicou a imagem das caixas de seis marchas em seus primeiros anos.

siena 1.0 6 marchas 1998

Siena 1.0 6 marchas 1998

Como aprimoramento da tecnologia, especialmente das caixas automáticas descritas nos primeiros parágrafos, o número de velocidades cresce vertiginosamente nos últimos anos. Há cinco anos, transmissões de seis marchas eram consideradas vanguardistas em modelos de luxo, hoje modelos comuns possuem câmbio de seis até nove marchas, como Jeep Renegade, VW Jetta e Golf, Toyota Corolla, Honda Civic e Fiat Toro. Aí vem a pergunta fatídica:

VOU MESMO PRECISAR TROCAR TANTA MARCHA?

A resposta é não. A esmagadora maioria dessas transmissões são automáticas ou automatizadas. Como suas relações de marcha se encontram muito próximas, as mudanças são quase imperceptíveis e o regime de funcionamento do motor está sempre perto do ideal, gerando pouco ruído e vibração. Quase todos se mostram muito confortáveis e agradáveis de dirigir, silenciosas em situações normais e com desempenho vigoroso em condução mais esportiva ou em situações pontuais de demanda de potência, como ultrapassagens. Então, os gearheads perguntam:

GOSTO DE TROCAR MARCHAS E DE SENTIR O CARRO NA MÃO. ESSES MODELOS NÃO SÃO CHATOS DE DIRIGIR?

A resposta também é não. A grande maioria possui opção de trocas manuais, frequentemente por borboletas atrás do volante, à moda dos bólidos da Fórmula 1. Conseguem ser pacatos e agradáveis em condução normais e muito vivos ao mínimo sinal de provocação, especialmente se equipados com motor turbo (saiba mais aqui sobre esses motores).

Carros com essas caixas mágicas parecem bom demais para ser verdade, ou são caros demais. Então a última indagação é:

ESSES CARROS NÃO SÃO CARÍSSIMOS, ACESSÍVEIS APENAS PARA OS RICOS?

Infelizmente, a resposta para essa pergunta é sim. Os modelos zero-quilômetro com câmbios multimarchas raramente custam menos de R$ 100 mil. Caso seu desejo de possuir um seja enorme e seu orçamento seja mais limitado, pode-se encontrar bons exemplares a partir de R$ 40 mil. Preste atenção nos cuidados de manutenção para se certificar da procedência e seja feliz com seu usado.

MAS A MANUTENÇÃO DEVE SER CARÍSSIMA, NÃO É?

Como toda nova tecnologia, sim. Por outro lado, as caixas automáticas modernas não exigem cuidados de manutenção além da troca do óleo de transmissão a cada 50 mil quilômetros e os cuidados de condução normais para qualquer veículo. Enfim, um carro bem cuidado não gerará despesa adicional de manutenção em relação aos modelos manuais e automáticos de quatro ou cinco velocidades.

Fica uma ressalva para os modelos com câmbio automatizado de embreagem simples, como os i-Motion (VW) e Dualogic (Fiat), e dupla, como os DSG (VW) e Powershift (Ford). Estes tipos exigem troca de embreagens a intervalos pequenos de 50 mil quilômetros, apesar de os fabricantes negarem esta informação relatada em campo por proprietários e mecânicos. Em caso de uso severo ou incorreto, há relatos de trocas em modelos de menos de 10 mil quilômetros, principalmente do Powershift da Ford.

Vale lembrar que os modelos do parágrafo acima funcionam perfeitamente com a manutenção adequada e os de embreagem dupla (DSG e Powershift, entre outros) se mostram extremamente prazerosos de guiar, sendo referência em desempenho e mais rápidos que os similares equipados com câmbios manuais. Basta dirigir corretamente e cuidar da manutenção. Os modelos de embreagem simples (i-Motion, Dualogic e Easytronic (GM)) não se mostram agradáveis de dirigir, entregando dirigibilidade estranha e cheia de trancos. Atualmente estão sendo descontinuados pelos fabricantes, mas sua manutenção se mostra muito similar às caixas manuais em custo e complexidade.

No vídeo abaixo, observe a rapidez das trocas de marchas do câmbio de 9 velocidades do Range Rover Evoque:

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