8 fatos para entender a cabeça do consumidor brasileiro – Parte 1
Apaixonados por carros empregam parte significativa de seu tempo consumindo conteúdo sobre carros. Provavelmente, este é o principal motivo pelo qual você está lendo esse artigo.
Para as pessoas comuns, com outros assuntos de interesse, o mundo do automóvel se trata de um tema complicado – e chato. Por isso, todos que conhecem alguém com bons conhecimentos sobre carros preferem procurar os “entendidos” para tirar dúvidas. Com frequência, o procurado é você, gearhead.
Contudo, o entusiasta acumula frustrações ao ver que os conselhos dados raramente são seguidos. Você mostra todas as tecnologias mais avançadas e os melhores modelos de cada segmento e faixa de preço e gasta muita saliva explicando com detalhes. Seu “consultante” ouve tudo com atenção e sai convencido de ir às concessionárias para ver o que há de melhor e mais avançado.
Quando chega a hora de fechar negócio. um batalhão de “especialistas” de plantão, como mecânicos, vendedores de carros, jornalistas de grandes publicações automotivas, o tio-avô e até a vizinha, colocam todas as suas recomendações na lata do lixo.
A pessoa que perguntou a você as melhores opções termina levando para casa aquele carro comum, que todo mundo tem. A justificativas costumam ser: “meu mecânico falou que é mais fácil de mexer”, “o carro que você falou tem mecânica cara e complicada”, “comprei esse porque é mais fácil de revender depois”, “me disseram que esse carro não quebra”, dentre uma longa lista de chavões automotivos.
Então começa as lamúrias tradicionais do universo gearhead: “brasileiro não sabe comprar carro”, “nossos carros são uma porcaria porque o consumidor não sabe escolher”, “nossos carros têm tecnologia atrasada e são caros porque o brasileiro só pensa em revenda”.
Eis o tema deste artigo: uma vez que o autoentusiasta compreenda estas 8 características do motorista brasileiro médio, aceitá-las vai doer menos.
1 – O BRASILEIRO É CONSERVADOR EM RELAÇÃO A NOVAS TECNOLOGIAS
Esta característica nasceu junto com a indústria automobilística tupiniquim e perdurará por tempo indeterminado. O melhor retrato para ilustrá-la consiste no modelo mais popular de todos os tempos: o Volkswagen. Também conhecido como Fusca.
O CASO EMBLEMÁTICO DA BRASÍLIA E DO GOL BX
Entre o final dos anos 60 e início dos 70, surfando no sucesso estrondoso do Fusca, a Volkswagen do Brasil percebeu que havia demanda para novos modelos mais modernos. Simultaneamente, a matriz alemã desenvolvia motores mais avançados e sua comercialização parecia líquida e certa.
A Mercedes-Benz desenvolveu uma linha de motores de baixa “cilindrada”, conhecida como MD270, mas não encontrou aplicação em seus modelos. Assim, vendeu o projeto para a Volkswagen.
Esta, por sua vez, pretendia conceber veículos de desempenho superior aos carismáticos aircooled, aos quais se atribui a capacidade de atravessar desertos.
Todavia, sua baixa eficiência energética e o desempenho anêmico demandava sua substituição. E a Volkswagen do Brasil considerou esta possibilidade em seus próximos modelos: a Brasília e a Variant. A concorrente Ford já comercializava a Belina, perua considerada referência em tecnologia à época.

O capô comprido foi concebido para abrigar um motor MD270
As então modernas peruas foram concebidas para receber os novos motores refrigerados a água, com vistas a desbancar a rival com o trunfo do prestígio da marca de Wolfsburg.
Para tal, os designers e engenheiros as projetaram com capô alongado, a fim de receber o conjunto mecânico de origem Mercedes-Benz, com amplo porta-malas na traseira. Infelizmente, um fator muito importante impediu a implantação.
O CONSUMIDOR BRASILEIRO
Na fase de planejamento de um novo produto, os fabricantes realizam pesquisas de mercado com potenciais consumidores. Esta boa prática já fazia parte das rotinas de marketing há cinquenta anos. E foram elas que enterraram a aplicação do motor a água nas peruas nacionais.
Ao mencionar a possibilidade de equipar as futuras Brasília e Variant com o novíssimo motor MD270, a mais avançada tecnologia utilizada pela Volkswagen da Alemanha em seus novos (e/ou futuros) modelos Polo, Golf e Passat, o brasileiro foi taxativo ao rejeitar a tecnologia e permanecer com o robusto, simples e confiável aircooled consagrado nos Fusca e Kombi.
Desta forma, as peruas foram lançadas com os tradicionais motores a ar e o Passat entrou em linha como um modelo de categoria superior. Muito sofisticado e avançado para seu tempo, a geração B1 foi um sucesso e abriu caminho para a substituição dos robustos motores boxer.
Apesar da gradual introdução e aprimoramento do propulsor que deu origem à próxima referência em motores, o cultuado EA 827, mais conhecido como “Alta Performance” ou AP, o lançamento do substituto do Fusca não conseguiu aposentar o aircooled .
O GOL BX E O MOTOR AP

Novamente, os clientes da VW não quiseram o motor a água. Tudo em nome da simplicidade e baixo custo de manutenção.
Em 1980, a Volkswagen decidiu que o Fusca deveria ser substituído por um modelo mais moderno, posto que o projeto do besouro datava da década de 1930.
Em sua matriz, a marca alemã já havia substituído o “carro do povo” pelo Golf em 1974 e o Polo estreou um ano depois. A modernidade, bom desempenho e dirigibilidade granjearam grande êxito e a filial brasileira decidiu que precisava ter seu “Golf brasileiro”.
Assim nasceu o projeto BX, o qual deu origem à família Gol e derivados. A história dispensa maiores explicações sobre o estrondoso sucesso deste modelo em países emergentes, replicando o de seus irmãos projetados na Alemanha.
Os apaixonados por carros com boa memória se lembram que o modelo engrenou nas vendas apenas em 1986, após a disseminação dos motores AP.
A parte que deixa a comunidade entusiasta mais indignada recai sobre o novo fracasso da Volkswagen em aposentar o motor “a ar” no novo modelo. Graças ao extremo apego do motorista brasileiro à mecânica simples do clássico propulsor boxer.
No ano do lançamento do Gol, os motores modernos empregados no Passat eram admirados pela excelente relação entre desempenho e economia, superior a de muitos modelos de seis cilindros.
Os motores 1.5 e 1.6 do médio da Volkswagen, especialmente nas versões esportivas TS, conquistaram uma legião de fãs. A empresa tinha esperança de modernizar suas unidades motrizes no projeto do novo modelo de entrada. Infelizmente, ao tabular os resultados das preferências do consumidor brasileiro, nova decepção.
O brasileiro médio considerava os novos motores de manutenção cara e difícil, acreditando que apenas “carro de rico” deveria usar tecnologias tão avançadas (para a época). Para o modelo “popular”, deveria permanecer o bom e velho motor a ar. Esta constatação nos leva ao item seguinte.
2 – AS QUESTÕES FINANCEIRAS FALAM MAIS ALTO QUE QUALQUER OUTRA
O primeiro tópico abordou a origem da predileção do motorista brasileiro por modelos confiáveis, baratos de comprar e manter, valorizados pelo mercado de usados, com grande disponibilidade de peças e que o mecânico de confiança saiba executar os serviços de manutenção.
Fatores como tecnologia moderna, segurança veicular, qualidade de construção, motores de arquitetura mais avançada, a qual entrega performance superior, a até mesmo acabamento mais esmerado sempre ficarão em segundo plano se seus custos de aquisição e manutenção forem proibitivos.
A lógica do bom, bonito e barato dá a tônica no mercado brasileiro. Ao contrário de outros mercados, nos quais as novas tecnologias são incorporadas mais rapidamente, o brasileiro não aceita pagar mais caro por um veículo mais moderno, seguro e eficiente.
A lista abaixo traz alguns exemplos da demora na popularização de algumas inovações:
- Ar condicionado. Devido ao maior consumo de combustível dos primeiros modelos, o equipamento demorou mais de 20 anos para emplacar;
- Câmbio automático. A perda significativa de desempenho, aumento de consumo, baixa confiabilidade, alto custo de manutenção e pouca disponibilidade de mão-de-obra afugentavam a maioria dos motoristas;
- Motores equipados com cabeçotes de 4 ou mais válvulas por cilindro. Os famosos 16 válvulas (para unidades de 4 cilindros, a maioria por aqui), faziam muitos motoristas torcerem o nariz para a tecnologia devido ao maior custo de retífica.
Conclui-se que o dinheiro fala mais alto para o motorista comum. A falta de disposição de colocar a mão no bolso para levar um modelo mais avançado quase sempre termina na compra um modelo bonitinho, mas ordinário.
Uma das mais execradas peculiaridades de nosso mercado pelos entusiastas consiste na longa sobrevida de alguns modelos com as característica deste artigo. De todos, o mais lembrado é o Fiat Uno Mille, cuja foto ilustra a capa deste artigo. Numerosos exemplos podem ser citados, como o GM Classic, o VW Gol, o Renault Clio e, acima de todos, a VW Kombi, a qual permaneceu por 57 anos no mercado.
3 – O BRASILEIRO VALORIZA AQUILO QUE SE PODE VER
Em nosso país, basta o produto parecer de boa qualidade, não havendo a real necessidade de entregá-la. Automóveis de grande sucesso por aqui seriam considerados intragáveis por ingleses ou japoneses.
Muitos modelos comercializados no Brasil e no exterior sofrem enxugamento de itens, degradação na qualidade dos materiais de acabamento e, pior de tudo, redução na quantidade de pontos de solda da estrutura e o uso de aços de menor resistência.
Em suma, os veículos parecem idênticos por fora. A “economia” acontece naquilo que não se pode ver: qualidade de construção, durabilidade e acabamento. Porque para o consumidor brasileiro comum, o foco reside naquilo que os olhos podem ver.
CARRO BONITO X CARRO FEIO
Dois modelos tiveram seus lançamentos em intervalos de poucos meses entre si. Um deles virou um best-seller instantâneo, apesar da qualidade inferior em relação ao concorrente, menor confiabilidade e desempenho apenas mediano em segurança veicular. Seu grande sucesso ocorreu por mérito do design harmônico, bom pacote de equipamentos e acabamento superior à média do segmento.
Por sua vez, o adversário entregava construção bem cuidada, bom compromisso entre desempenho e consumo, durabilidade e conquistou boa nota em crash tests. Nem seu pós-venda exemplar e o prestígio de uma marca forte conseguiram fazê-lo deslanchar em vendas. O motivo? Seu design e acabamento eram muito feios.
Após a descrição deste caso real, chegou a hora de dar nome aos bois. Ou melhor, aos carros. E o ano no qual os lançamentos aconteceram:
HYUNDAI HB20 X TOYOTA ETIOS (2012)
O ano de 2012 marcou o mercado de modelos de entrada pela abundância de lançamentos. Dentre os mais lembrados, estão o atual líder de vendas, Chevrolet Onix, e pelos dois compactos de origem asiática, os quais inauguraram novas fábricas no Brasil.
O Chevrolet fará sua participação na Parte 2 deste artigo, e os outros dois retratam com perfeição as preferências dos consumidores tupiniquins.
O sucesso de vendas do HB20, assim como o pouco fascínio pelo Etios, provam que nem a força da marca Toyota consegue superar a obsessão dos motoristas locais por modelos de belo design.
O Toyota supera o Hyundai na maior parte das características técnicas, mas o belo design, acabamento caprichado, boa oferta de equipamentos e maior variedade de versões e preços mais atraentes falam mais alto do que as 5 estrelas no LatinNCAP, baixo consumo de combustível, manutenção barata e prestígio da marca para os consumidores.
Esta afirmação nos leva ao próximo item, tema da Parte 2 deste artigo. Clique aqui para continuar lendo ==>
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