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Fusca: uma aula sobre preparação “old school”

O automobilismo nasceu automaticamente com a criação do automóvel. Desde que esta maravilhosa invenção ganhou o mundo no início de 1886, engenheiros, pilotos e entusiastas buscam mil e uma formas de aumentar o rendimento, potência, estabilidade e todos os atributos de performance de seus veículos.

tuning old school fusca fittipaldi

Fusca preparado por Emerson Fittipaldi em uma época na qual até os Fórmula 1 utilizavam pouquíssima eletrônica

Porém, duas inovações ganharam força a partir do final dos anos 70 e deixaram os preparadores mal-acostumados: o turbocompressor e a eletrônica. O caracol mágico permite ganhos massivos de potência sem alterações profundas nas características do conjunto motriz, de forma relativamente simples e barata. Todavia, instalações malfeitas minavam sua durabilidade e exigiam maiores refinamentos técnicos.

Lendas como Emerson Fittipaldi, José Carlos Pace, Nelson Piquet, assim como nossos pais e avós, necessitavam aplicar artifícios mecânicos mais sofisticados – mas caros e complexos – para “envenenar” seus bólidos, de modo a obter o rendimento esperado. Conheça esta técnicas utilizadas nos primórdios do automobilismo brasileiro.

CHIP DE POTÊNCIA, APELIDADO DE “KIT PADARIA”

preparação de motores chip de potência

Chips de potência permitem ganhos de potência e torque superiores a 30% em poucos minutos.

O advento da eletrônica, tecnologia introduzida a partir dos anos 70 e dominante nos dias de hoje, o processo de preparação de motores “leve” foi muito facilitada com a farta oferta de “chips de potência” capazes de aumentar seu rendimento em até 50% sem alterações de componentes físicos e de instalação e reversão plug and play. 

Isto é, a simples operação de trocar a centralina original pela preparada permite este ganho em menos de cinco minutos, sem necessidade alguma de substituir componentes caros como comandos de válvulas, pistões, bielas e virabrequins. Tampouco há a necessidade de serviços metalúrgicos demorados como rebaixar cabeçotes ou alargar pistões.

Há cinquenta anos, a injeção eletrônica e o turbocompressor tinham aplicações restritas a modelos de competição de altíssimo desempenho, impossibilitando as preparações apelidadas de “kit padaria”, tão populares atualmente. Nossos pais e avôs precisavam se submeter a preparações caras e que exigiam a substituição de grande parte dos componentes, dada a indisponibilidade destas opções.

Atualmente, existem sistemas de alimentação injetados para motores clássicos como o Volkswagen boxer aircooled e Chevrolet 151 e 250-S, projetados para a aplicação de mapeamentos eletrônicos em modelos populares no Brasil. A atualização de sistemas de alimentação de carburada para eletrônica existem no mundo todo, com foco em redução de consumo de combustível e emissões. A prática caiu em descrédito devido à execução duvidosa de algumas conversões – e à pressão dos puristas.

A regra de outro do preparador consiste em manter a alimentação por carburadores, a despeito dos bons resultados obtidos por alguns profissionais. Na preparação de modelos antigos, a tradição pesa muito e a qualidade  dos componentes,  comprovada por décadas a fio, se mostra suficiente para fazer um bom trabalho.

Naturalmente, o talento do mecânico para afinar um Weber ou Solex conta mais pontos do que uma calibração injetada bem executada. Excetuando project cars com profundas modificações ou engine swap (troca do motor), tradição e bons costumes ditam as regras nas preparações de motores VW boxer refrigerados a ar, Chevrolet 6 cilindros ou Volkswagen AP originalmente carburados.

Na dúvida, fique com o velho e bom carburador.

O FOCO DA PREPARAÇÃO “OLD SCHOOL” RESIDE NAS ALTERAÇÕES PURAMENTE MECÂNICAS, AS QUAIS NÃO ENVOLVEM EXCLUSIVAMENTE REMAPEAMENTOS ELETRÔNICOS NEM TURBOCOMPRESSORES.

LINKS PARA OUTROS ARTIGOS DESTE SITE COMPLEMENTAM O CONTEÚDO.

NATURALMENTE, OS MELHORES RESULTADOS OCORREM COM A UTILIZAÇÃO DE TODOS OS PROCESSOS EM CONJUNTO, COMO NOS EXEMPLOS DO PRÓXIMO ITEM.

SINERGIA COM OS MÉTODOS MODERNOS

Ao contrário do esperado, os métodos de alteração mecânica do projeto do motor não perderam relevância. Os processos de preparação “old school” tiveram sua eficácia amplificada quando utilizados em conjunto com a sobrealimentação e o remapeamento eletrônico dos sistemas de gerenciamento do veículo.

Outrora os únicos métodos disponíveis, sua aplicação permitia dobrar a potência, na média dos propulsores. Aplicados em conjunto com a eletrônica moderna e turbocompressores, o rendimento pode ser multiplicado por seis ou até nove.

Em track days, VW Gol e Santana com mais de 500 cv são encontrados às dezenas nestes encontros. Modelos americanos ou alemães com motores de 6 ou  8 cilindros, preparados para ultrapassar os 1.000 cv de potência não causam espanto ou surpresa, apenas fascínio.

No passado, extrair mais de 100 cv de um VW Fusca ou 200 cv de um GM Opala 4.1 para competições consistia em grande desafio para os mecânicos e este receberia grande destaque para seu trabalho. Com a tecnologia atual, motores VW aircooled podem ultrapassar os 300 cv e os 250-S os 600 cv com a preparação completa e sobrealimentação.

“METABOLISMO” DO MOTOR

As técnicas de preparação a seguir, de natureza mecânica, permitem o aumento de rendimento de qualquer propulsor e seu uso ocorre, em boa parte, desde a invenção do automóvel.

Como de conhecimento de todos os interessados por mecânica de automóveis, os motores a combustão dos automóveis modernos funcionam em quatro tempos: admissão, compressão, combustão e escape. Grosso modo, eles determinam o “metabolismo do motor”, e todo método de preparação visa a acelerá-lo, em busca do ganho de performance.

Assim, todos os procedimentos descritos neste texto e nos artigos relacionados buscam o ganho de eficiência em um ou mais dos quatro tempos.

AUMENTO DO LIMITE DE GIROS

Uma das maneiras mais simples de ganhar potência e torque em um motor de combustão interna consiste em aumentar seu limite máximo de giros. Em tese, a ação parece simples de explicar, o que se mostra complexo em sua execução e exige modificações profundas e variadas.

Os desafios são muitos para elevar o limite máximo de rotação: substituir os componentes originais por outros com especificação para suportar maiores esforços; o cabeçote deve ter liberdade para girar em rotações muito altas sem prejudicar a abertura e fechamento das válvulas – fenômeno chamado popularmente de “flutuar válvula”. Os sistemas de alimentação e escape devem prover fluxo sincronizado e suficiente para se adaptar aos novos regimes de funcionamento, sem enriquecer ou empobrecer a mistura.

Os itens abaixo descreverão as modificações necessárias para obter o aumento de potência e torque derivado do aumento do limitemáximo de rotação do motor.

REBAIXAMENTO DE CABEÇOTE

O aumento da taxa de compressão torna a combustão mais eficiente, especialmente ao usar combustível de alta octanagem. Ganhos de potência e torque significativos decorrem deste processo de preparação do motor, denominado rebaixamento de cabeçote.

O rebaixamento do cabeçote consiste em um processo de usinagem no qual a parte inferior da peça sofrerá desbaste (retirada de material) de alguns milímetros, aumentando o quociente chamado taxa de compressão, resultando em ganho de potência e torque. A contrapartida reside no aumento do consumo de combustível, ruído e vibração do motor, a qual não constitui objeção para uma aplicação de competição.

Saiba mais sobre taxa de compressão e rebaixamento de cabeçote neste link.

VÁLVULAS MAIS LARGAS

Alterações no projeto do motor como a alteração da taxa de compressão demandam o redimensionamento dos demais componentes mecânicos. As válvulas figuram entre os primeiros a serem substituídas, posto que também pertencem ao cabeçote.

Anteriormente à adoção dos cabeçotes multiválvulas – sistemas com quatro válvulas por cilindro, em geral -, a solução mais comum para incrementar a quantidade de mistura ar/combustível residia na troca das válvulas originais por outras mais largas, as quais permitiam maior fluxo de admissão e escape na câmara de combustão.

A principal desvantagem das válvulas maiores são seu maior peso e inércia, exigindo molas e cames também de maior massa, aumentando o peso total do conjunto. Uma solução possível seria a substituição dos componentes por outros de metais nobres, mais leves e de custo elevado.

Após décadas de testes e estudos, a solução mais eficiente consiste no uso de duas válvulas de admissão e duas de escape, o qual entrega um cabeçote mais leve e com maior área para admissão e escape da mistura ar/combustível e gases de exaustão. A adição do comando variável melhora seu funcionamento em giros mais baixos, em complementação à natural boa performance em alta rotação.

COMANDOS “BRAVOS”

preparação de motores comando bravo

A substituição das válvulas e do rebaixamento do cabeçote pede comandos de válvulas que façam o motor “respirar” melhor, tanto na admissão quanto no escape.

As modificações necessárias para equilibrar o motor à nova entrega de potência estão descritos com mais detalhes no artigo Muito além do turbo: outras modificações para melhorar o desempenho do motor do seu carro.

PARA MODIFICAR OS TRÊS ITENS ACIMA, A PRÁTICA MAIS USUAL CONSISTIA NA TROCA DO CABEÇOTE INTEIRO POR UM KIT ESPORTIVO, TOTALMENTE REDIMENSIONADO. 

TROCA DE PISTÕES E BIELAS

O aumento de deslocamento volumétrico se mostrava a única alternativa viável para melhorar o rendimento dos motores após executar todas as preparações possíveis. Ou seja, aumentar a “cilindrada” de 1600 para 1900, ou até para 2300, era a única forma de fazer um motor VW refrigerado a ar ganhar potência e torque.

Então você pode aumentar a “cilindrada” do seu carro de 1.6 para 2.0? A resposta é sim. Para executar este aumento, existem duas soluções, as quais costumam ser utilizadas em conjunto: trocar os pistões por outros mais largos, e/ou as bielas por outras mais longas. Para isso, o mecânico fará a usinagem de novas camisas no bloco do motor a fim de abrigar os pistões mais largos, assim como demais modificações para acomodar as bielas mais longas.

A fórmula para calcular o deslocamento volumétrico do motor consiste na multiplicação do diâmetro do pistão pelo seu curso, e o resultado pela quantidade de cilindros. Pistões de maior diâmetro com bielas de maior curso resultarão em maior “cilindrada” e, consequentemente, melhor performance. A opção por pistões mais largos e/ou bielas mais longas dependerá da priorização por potência ou torque.

No passado, transformar o propulsor de um Fusca de 1600 para 1800, ou o do Opala de 4100 para 4300 consistiam em modificações corriqueiras, efetuadas até mesmo pelos fabricantes na atualização das unidades motrizes.

Confira a parte 2, sobre preparação de carburadores, sistema de escape e transmissão ==>

 

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