Fusca: uma aula sobre preparação “old school” – Parte 2
No artigo anterior, traçou-se um comparativo entre a preparação moderna, com ênfase em upgrades de turbo e eletrônica, e a old school, puramente mecânica. Atuando em conjunto, as técnicas de modificação permitem resultados fantásticos na atualidade, com incrementos de rendimento de até nove vezes e potências específicas próximas a 200 cv/l, como no Mercedes A45 AMG da figura abaixo.

381 cv em um motor 2.0. Este é o estado-da-arte da combinação de preparação clássica com moderna
Nossos pais e avôs não dispunham das mesmos artifícios, e o modelo italiano logo abaixo era o sonho dourado dos aspirantes a Emerson Fittipaldi.

Nos anos 70, o 2.0 de 150 cv da Alfa Romeo aspirado deslumbrou os entusiastas.
Em uma época na qual a eletrônica engatinhava e os modelos de aspiração forçada não eram confiáveis, obter 150 cv em de uma unidade de 2 litros exigia profundos conhecimentos mecânicos.
A primeira parte tratou dos aprimoramentos nos sistemas do motor que atuam nos tempos de compressão e combustão. Agora, os tópicos abaixo tratarão da admissão e escape. Ao final, melhorias em transmissão, chassis e suspensão também terão seus espaços, posto que o simples aumento de “cavalaria” não garante o bom desempenho. Confira nas linhas abaixo mais técnicas para “envenenar” o motor.
CARBURADORES ESPORTIVOS

Carburadores de corpo duplo ou quádruplo são obrigatórios em uma preparação tradicional. Na imagem, o famoso quadrijet, onipresente em motores V8.
O equivalente “analógico” ao remapeamento do gerenciamento de motor e transmissão é o carburador esportivo. Ambos cumprem exatamente a mesma função: alimentar o motor. Um aumento de performance exige aumento na quantidade de mistura ar/combustível admitida e aumento na rapidez para o gás de exaustão sair da câmara.
Assim, carburadores de maior capacidade eram o must have da preparação carburada: Weber, Solex, Magnetti Marelli, SU, DFV, Holley – todos de corpo duplo ou quádruplo. Soluções originais como três peças de corpo duplo montadas em trio não eram incomuns, e a criatividade reinava entre os mecânicos. A contrapartida consistia na necessidade de talento do profissional em afiná-lo para funcionar “redondo”.
ESCAPAMENTOS ESPORTIVOS
Toda preparação envolve a otimização em pelo menos um dos quatro tempos dos ciclos Otto, Diesel, Miller ou Atkinson de combustão. Simplificando, aumentando o fluxo de mistura ar/combustível admitidos pelo motor e gás queimado expelidos pelo escapamento.
Fazendo uma analogia, a preparação de motores visa a “acelerar o metabolismo” do propulsor e, consequentemente, elevar a entrega de potência e torque. Para atingir o objetivo, facilitar o fluxo do gás de exaustão e o reinício rápido do primeiro tempo do ciclo de combustão com a instalação de um sistema de escapamento menos restritivo consiste em uma técnica utilizada desde o início do automobilismo.
Um efeito colateral reside no ruído gerado pela ausência de silenciador e/ou abafador, causado pela instalação de um componente de baixa restrição, a qual permite ganhos médios de 10% na potência máxima. Entenda este princípio neste artigo sobre motores.
ALTERAÇÃO NAS RELAÇÕES DE MARCHA E DIFERENCIAL
Mudanças nas relações de marcha se mostram obrigatórias para extrair todos os benefícios da elevação de potência e torque do motor. Um dos nomes mais respeitados do automobilismo clássico, o americano Caroll Shelby, criou uma máxima que, sozinha, explicita a necessidade de buscar a adequação da relação de marcha à nova potência do motor:
“MAIOR POTÊNCIA MÁXIMA VENDE CARROS, MAIOR TORQUE MÉDIO VENCE CORRIDAS”
Algumas de suas frases podem soar ultrapassadas, como “não há substituto para polegadas cúbicas”, pois foram ditas no contexto tecnológico vigente há quarenta anos. De qualquer maneira, o conceito teórico permanece válido, incluindo o do maior torque médio.
A extração dos cavalos extras frequentemente implicava o aumento da rotação de potência máxima. Porém, seu efeito colateral implica na elevação da rotação de torque médio, alterações que tornam a alteração nas relações de transmissão algo imperativo. Simplificando, para aproveitar todo o novo potencial, mexer no câmbio é obrigatório. Alongar ou encurtar as relações de transmissão era o passo seguinte à preparação do motor.
Em linhas gerais, existe uma forma simples de alterar todas as relações de marcha: substituir o diferencial para um mais adequado à nova realidade do veículo. Este componente, cuja função foi explicada neste artigo, se situa na saída da caixa de câmbio e altera o quociente de multiplicação de todo o sistema. Como este procedimento pode ser feito de forma mais rápida, costuma ser usado com frequência em projetos de menor complexidade.
Em preparações mais extremas, pode-se alterar a relação de cada um dos pares de engrenagens, obtendo um resultado mais personalizado. Todavia, o serviço exige muito mais tempo e dinheiro, com benefícios nem sempre compensadores.
Este artigo explica a influência das relações de marcha no desempenho do veículo: Câmbio curto e câmbio longo: entenda a influência no desempenho do carro.
Outra alternativa mais elegante consiste na troca da caixa original por um modelo de competição totalmente customizável, como os utilizados em categorias como a Stock Car. A desvantagem reside na péssima usabilidade do dia-a-dia e baixa durabilidade, a custos superiores ao próprio veículo original.
Dada a complexidade e custo de encurtar ou alongar as relações de transmissão, a grande maioria dos proprietários raramente vai além da troca do diferencial.
REDUÇÃO DE PESO
Em um tempo de parcos recursos tecnológicos de preparação de motores, o alívio de peso consistia em prática obrigatória para melhoria da aceleração, frenagem e, sobretudo, do comportamento dinâmico em curvas.
Outra lenda do automobilismo, o inglês Colin Chapman levou ao extremo a busca pela redução de peso e acerto de chassis otimizado. Quebrou o paradigma vigente que pregava que apenas extrair mais cavalos seria suficiente para vencer corridas, ao priorizar o comportamento dinâmico e leveza em detrimento da potência bruta. As lendárias Lotus verdes venceram com facilidade concorrentes com até 50 cavalos a mais.
Sua filosofia de construção de carros de corrida influenciou a todos, inclusive pilotos brasileiros, os quais trabalharam para obter materiais mais leves como alumínio, magnésio, ligas de metais nobres, fibra de vidro, fibra de carbono, dentre outros materiais.
Projetos de chassis visando distribuição de peso ideal, rebaixamento do centro de gravidade, boa aerodinâmica e retirada de todos os componentes não essenciais marcaram a filosofia de Chapman, a qual se mantém em voga até os dias de hoje. Desde o início do automobilismo no final do século XIX, retirar bancos e acabamentos, peças de carroceria como para-choques, pára-lamas, frisos, vidros e até mesmo raspar a pintura tem sido expedientes aplicados até os dias de hoje em todo project car.
Este artigo explica a mágica da redução de peso na melhoria de desempenho e dirigibilidade: Como fazer seu carro andar mais sem gastar um centavo
REFORÇOS NO CHASSI

Esta simples barra (em vermelho) revolucionou o comportamento dos carros em curvas. Hoje em dia, barras estabilizadoras são itens de série em modelos regulares e modelos de maior resistência aparecem em qualquer tuning de chassis e suspensão.
Um dos problemas criados pela redução de peso está na perda de rigidez torcional causada pela retirada de alguns componentes ou partes da carroceria. Grosso modo, chassi automotivo se comporta como uma “caixa de sapato com quatro rodas”, ficando submetida a torção e flexão a cada curva, arrancada ou freada.
Da mesma forma que o paralelepípedo de papelão se deforma ao ser comprimido ou retorcido, a carroceria do automóvel passa pelo mesmo processo, o qual influencia negativamente na estabilidade em curvas. Assim, quanto mais rígido for seu chassis e carroceria, melhor será seu desempenho em curvas, manobras, arrancadas e freadas.
Infelizmente, modelos de carros mais antigos são fabricados com aços muito flexíveis e recebem poucas soldas e pontos de melhoria da rigidez torcional. Após compreender este fenômeno, preparadores passaram a equipar modelos de alta performance com barras estabilizadoras como as da figura acima.
Não obstante, passaram a soldar barras de torção em todo tipo de veículo, para qualquer aplicação, desde monopostos de corrida a picapes heavy duty de 1,5 tonelada de carga. A busca pela maior rigidez torcional se tornou uma obsessão dos preparadores a partir do início dos anos 60.
Soma-se ao fato o ganho vertiginoso de velocidade dos carros nesta época, conhecida como fase romântica do automobilismo. Infelizmente, o aumento de performance não foi acompanhado pela melhoria nas condições de segurança, configurando este período como o mais mortífero de toda a história dos esportes a motor.
Acidentes fatais ocorriam às dezenas todos os anos, e sua causa primária residia na péssima resistência à torção e impactos dos monocoques daquele tempo. Aumento da rigidez torcional está visceralmente ligado à melhoria na segurança veicular, ao mesmo tempo no qual se obtêm as melhorias no comportamento dinâmico.
Em modelos de turismo ou stock, a instalação das gaiolas tubulares busca atingir os dois objetivos: proteção do piloto e melhoria na estabilidade. Muitos preparadores recomendam sua instalação em modelos de rua, pois os ganhos no desempenhos são grandes. Mais uma vez, o contra reside na necessidade de desmontar totalmente o interior do veículo, tornando-o inutilizado para o uso normal.
SUSPENSÃO E DIREÇÃO
Uma preparação de suspensão com foco na melhoria do comportamento dinâmico do veículo se concentra na instalação de molas, amortecedores e demais componentes de reação mais rápida, mantendo o automóvel na rota desejada pelo condutor da maneira mais ágil e direta possível.
A meta do preparador de suspensão é muito clara: reduzir a rolagem ao fazer curvas, as “empinadas” da frente ao arrancar e os “mergulhos” ao frear. Em saídas de curva, o conjunto deve retornar o veículo para a rota o mais rápido possível, ao mesmo tempo no qual absorve as irregularidades que prejudicam o controle direcional.
No que concerne ao sistema de direção, quanto mais direta e precisa, tanto melhor. Um conjunto que filtra as irregularidades sem anestesiar a interação do condutor com a pista, e reaja com rapidez, precisão e pouco giro ao fazer curvas é a meta a ser atingida no acerto do conjunto de direção.
Os contras se mostram previsíveis: suspensão dura e desconfortável para o uso comum e direção pesada e “arisca” ao rodar no trânsito. A escolha de Sofia consiste em buscar um conjunto bom para pista, mas desconfortável, ou um conjunto conveniente, mas de desempenho fraco.
AVISO IMPORTANTE
Suspensão fixa, de rosca, a ar ou rebaixamento por corte ou compressão das molas consistem e alterações com fins meramente estéticos, prejudicando a performance em competições de pista.
Em preparações visando a melhoria da estabilidade, altura livre do solo é parâmetro secundário, apesar de sua redução na maioria dos projetos. Preparações como molas, amortecedores e componentes esportivos custam muito mais caro que os métodos citados acima e exigem profissionais especializados para executar corretamente o serviço.
Ao final, é importante frisar que não se deve confundir os métodos de preparação da suspensão com fins estéticos com os projetos de desempenho, pois se mostram totalmente diferentes.
FREIOS
Mais importante que acelerar rápido é frear mais depressa ainda. Conforme os estudos sobre carros e pilotos vencedores no automobilismo ganharam corpo, constatou-se que freios potentes falam mais alto do que o número de cavalos do motor. Este artigo explica em detalhes a função crucial de um bom sistema de freios.
UNINDO O CLÁSSICO AO MODERNO
Nos dias de hoje, a base conceitual teórica sobre preparação se consolidou e o desenvolvimento tecnológico não tem limites. Pouco importa se seu modelo é novo ou antigo, uma infinidade de produtos, serviços e acessórios permitem que seu Fusca ultrapasse os 300 cavalos facilmente. Caso sua necessidade seja por melhor estabilidade ou frenagem, milhares de alternativas estão ao seu alcance e seu orçamento é o limite.
No tempo de nossos pais e avós, havia pouquíssimas opções de carros à venda. E ainda menos de acessórios e equipamentos para fazer upgrades. Praticamente tudo era caro, demorado e obrigava a parada do bólido por uma semana. As melhorias não passavam de 30% a 40% na maioria dos projetos, os quais exigiam grandes modificações e não podiam ser revertidas.
Na época do tuning raiz, carburador de corpo duplo e filtros esportivos traziam pequenos ganhos de potência. Aqueles que queriam algo mais apimentado colocavam escapamento “Kadron” (esportivo) e rebaixavam o cabeçote. No grau mais extremo, aumento de deslocamento e troca de todas as partes móveis.
Nada de eletrônica ou turbo. Na preparação old school, todo o processo de “envenenar o motor” era mecânico. Alguns diriam analógico. De qualquer maneira, muito interessante e sua simples lembrança deixa qualquer entusiasta apaixonado. Especialmente os de menos de 30 anos.
1 Comentário »