Por que os carros da Volkswagen são todos iguais?
A principal queixa dos consumidores a respeito dos modelos da Volkswagen nos últimos anos não diz respeito ao preço. Nem ao atendimento pós-venda, à manutenção, ao preço alto dos prêmios de seguro, à falta de novidades ou inércia em relação ao crescimento de marcas japonesas e coreanas. Nada disso.
A gritaria uníssona contra os modelos da Volkswagen está estampada na foto de capa deste artigo. Todos os lançamentos ou reestilizações feitos a partir de 2010 padecem de mesmice visual: do Gol “a partir de” aos CC e Touareg com preços acima dos R$ 200 mil, todos tem a mesma cara.
A Audi ouve as mesmas críticas, com o agravante de atuar no segmento de luxo, no qual a exclusividade se mostra uma verdadeira obsessão. De qualquer maneira, existe apenas uma certeza.
Uma empresa do porte do Grupo Volkswagen não toma decisões deste porte sem embasamento técnico. Por óbvio, a padronização do design foi fruto de muito estudo e possui uma razão muito forte por trás. Ela é surpreendente, inteligente, coerente e revoltante. Tudo ao mesmo tempo. Os parágrafos seguintes explicam o que pensam os executivos de Wolfsburg e Ingolstadt.
A padronização do design foi uma decisão de MARKETING. Com a explosão das vendas no mercado chinês e do sudeste asiático, a empresa detectou que mais da metade do crescimento das vendas viria destes países e deu ênfase na estratégia em mercados emergentes.
A empresa alemã luta pela liderança mundial de vendas com a japonesa Toyota e a americana Ford e busca conquistar novos clientes. Executivos de montadora vivem um dilema permanente: atrair novos clientes ou reter os já fiéis à marca?
CARACTERÍSTICAS MERCADOLÓGICAS
Para responder a pergunta, seis variáveis mercadológicas precisam ser analisadas: potencial de crescimento, tamanho do mercado, perfil do cliente, regulamentação, custos de desenvolvimento e lucratividade. Todas se encontram interligadas e interferem umas nas outras. Também permitem fazer a comparação entre eles e traçar estratégias.
A venda da Opel pela General Motors para o Grupo PSA se baseia na mesma análise, já abordada neste artigo do Educação Automotiva sobre o negócio entre as empresas e suas estratégias.
ESTRATÉGIA BEM SUCEDIDA
Todavia, os números não mentem. Em 2006, ano no qual a estratégia de criar uma identidade visual começou a ser implantada na Europa, a marca vendeu 5,7 milhões de unidades em todo o globo. Em 2016, o número total de unidades vendidas saltou para € 10,3 milhões. As receitas totais saltaram para € 217 bilhões em 2016, ante € 105 bilhões dez anos antes. Confira os números de vendas da VW e de todos as fabricantes no site Statista.com.
Apesar de manter a liderança nos mercados europeus, as marcas do Grupo Volkswagen lutam contra o avanço das conterrâneas Mercedes-Benz e BMW, assim como o forte crescimento da Ford registrado nos últimos anos. Nos EUA, segundo maior mercado mundial em número de unidades vendidas e líder absoluto em receitas brutas, nunca emplacou e continua registrando vendas pífias, perdendo para concorrentes como Subaru, Lexus e Kia Motors.
Com a forte queda nas vendas na América Latina, o fracasso persistente na América do Norte, aprofundado pelo Dieselgate, e a estagnação em seu maior mercado, a Europa, onde está o sucesso tão alardeado para justificar que todos os modelos se pareçam entre si a ponto de confundir um Fox com um Passat ao olhar de frente?
O PULO DO GATO

Gran Santana, modelo vendido no mercado chinês e sucesso de vendas
Nos mercados emergentes do sudeste asiático e, principalmente, na China. No mercado com maior número de unidades vendidas e rápido crescimento, a Volkswagen lidera as vendas e o número de unidades comercializadas cresce de maneira consistente, assim como as receitas – e lucros.
Em nenhum outro país há uma variedade de modelos tão vasta quanto no gigante comunista. Por lá, pode-se comprar desde o Santana quadrado, idêntico ao vendido por aqui de 1984 a 1991, até o Phaeton, sedã de alto luxo da marca.
Gerações anteriores de modelos, vendidas nos anos 90 e 2000 dividem o showroom com versões recém-chegados às ruas da Alemanha. Também existem os modelos exclusivos para a China, como o de cor laranja metálico que ilustra a imagem acima.
Estas estratégias são utilizadas por todos os fabricantes que atuam no mercado chinês e demais emergentes, pois reduz o custo de desenvolvimento de novos produtos e amplia a faixa de mercado na qual atuam. Marcas com vendas inexpressivas em seus países de origem fazem sucesso por lá, como a Buick, pouco lembrada nos EUA e prestigiada no país mais populoso do mundo.
A enorme variedade de modelos da gama Volkswagen, com muitas gerações, versões e motorizações, favoreceu esta estratégia de sucesso neste oceano azul chamado China. Os alemães souberam explorar bem esta vantagem competitiva e foram agraciados com a liderança do maior mercado do mundo, com viés de crescimento.
MAS POR QUÊ DEIXAR TODOS OS MODELOS COM O MESMO DESIGN?
Ao contrário dos brasileiros, norte-americanos e europeus, os chineses não têm a identidade visual da Volkswagen – nem de qualquer outra marca – registrada em suas mentes. Os consumidores ocidentais conhecem os modelos Volkswagen desde sua fundação e popularização, em meados do século passado. Assim, qualquer consumidor conhece o Fusca, Kombi, Golf, Passat, Polo, Gol e seus derivados, versões e gerações.
Logo após a abertura do mercado automotivo chinês nos anos 1990, a maioria dos compradores de automóveis locais adquiria o primeiro exemplar de suas vidas. Devido às restrições impostas ao comércio de automóveis, a população de lá desconhece a maioria dos modelos vendidos no resto do mundo. E, pasmem, parte considerável da população nunca havia visto um carro ao vivo antes disso.
Sem qualquer memória das identidades visuais das marcas, não reconheciam modelos famosíssimos como o Fusca, Kombi, Toyota Corolla, Honda Civic, Ford Mustang, Mercedes-Benz até pouquíssimo tempo. A memória automotiva chinesa era uma folha em branco e todas estas identidades visuais precisavam ser registradas por marqueteiros e geradores de conteúdo sobre carros.
A grande sacada do departamento de marketing da empresa se baseou em detectar essa ausência de referência estética e de branding entre os consumidores chineses, tão onipresente em seus mercados cativos, como Europa e Brasil. Este processo ocorreu entre os anos 60 e 90 no mundo ocidental e os estudiosos de marketing sabem como replicá-lo.
A partir daí, tomou-se a decisão de seguir uma linha de design padronizada no mundo todo, a fim de fixar na mente dos chineses como se parece um Volkswagen. Esta filosofia, capitaneada pelos irmãos Pavone, acredita que modelos mais parecidos aceleram o processo de criação de identidade de uma marca.
Os designers brasileiros, responsáveis por chefiar o departamento mundial de design da marca, passaram a orientar a semelhança entre todos os modelos Volkswagen do mundo inteiro com base em uma preferência do público chinês, sagazmente detectada pelas pesquisas de mercado:
O chinês sonha em dirigir o mesmo automóvel que o americano e o europeu. Mas não precisa ser igual, basta parecer igual. Da mesma forma que o consumidor brasileiro, ele não busca tecnologia de ponta, motores modernos e econômicos, tampouco liga para meio ambiente ou resultados em crash tests. Na China, o bonito e barato sempre vende mais.
Por sua vez, A Volkswagen identificou que seus concorrentes desagradavam o consumidor chinês por oferecer produtos visualmente defasados em relação aos dos mercados maduros e investiu em design, a fim de que ficassem em dia com os modelos mais modernos – ao menos na aparência.
Funcionou. Por outro lado, os europeus e latino-americanos “pagaram o pato”, sendo obrigados a se acostumar com a mesmice visual e uma certa confusão entre modelos. Para ter sua marca registrada nas mentes chinesas, o design repetitivo passou a dar o tom nos modelos Volkswagen e Audi no resto do mundo. O prêmio de consolação ficou por conta das inovações em motores e eletrônica e conectividade a bordo, referências em seus segmentos.
Para desgosto dos mais ávidos por diferenciação, outras marcas seguiram a tendência, como a Mercedes-Benz e as novas gerações de seus sedãs Classe C, E e S; foram apelidados de “carros-camisa” por alguns: parecem o mesmo modelo em tamanhos P, M e G (pequeno , médio e grande, como as peças de roupa). Novamente, para deixar suas linhas registradas na mente dos novos consumidores orientais.
POR QUE “PAGAMOS O PATO” COM O DESIGN REPETITIVO DOS MODELOS DA VW?
As seis variáveis mercadológicas do tópico anterior explicarão o sucesso da estratégia mundial da Volkswagen. Reiterando: potencial de crescimento, tamanho do mercado, perfil do cliente, regulamentação, custos de desenvolvimento e lucratividade.
Cada empresa utiliza um modelo diferente, os quais consideram peculiaridades dos produtos da empresa ou filosofia de gestão dos executivos em posse dos cargos. Esta análise traz um modelo simplificado do uso das seis variáveis mercadológicas básicas para decidir priorizar um mercado em detrimento de outro.
A tabela abaixo mostra as razões para a escolha da China e mercados asiáticos. E o fato de o Brasil, América Latina e América do Norte terem sido deixados de lado.
O fato de todas as variáveis favorecerem o mercado chinês ficam evidentes na tabela. A quantidade de linhas verdes e vermelhas destaca a clara vantagem em investir nos mercados asiáticos, especialmente o chinês.
Uma breve análise dos 6 aspectos facilitarão o entendimento.
POTENCIAL DE CRESCIMENTO
Variável elementar. A preferência por investir em mercados com grande potencial de crescimento em curto e médio prazo, em detrimento a mercados maduros ou estagnados se mostra bem óbvia ao privilegiar o mercado asiático em relação à Europa e Américas. A tabela mostra isso de forma muito clara.
TAMANHO DO MERCADO
Uma insuperável desvantagem do Brasil em relação à China. Como competir com um mercado oito vezes maior que o nosso? Apenas se as demais variáveis favorecerem o Brasil, o que não ocorre. Nenhum outro mercado consegue mostrar o dinamismo do chinês, muito menos chegará ao seu tamanho por motivos demográficos. Apenas uma forte crise mudará as atenções da indústria automobilística para outro lugar.
REGULAMENTAÇÃO
Governos que criam muitas exigências e legislações sobre os fabricantes e motoristas aumentam os custos de pesquisa e desenvolvimento, produção e manutenção dos automóveis e utilitários.
Regulamentações sobre emissões de poluentes, resíduos industriais, descarte de veículos fora de circulação e seus resíduos, obrigatoriedade de crash tests para homologação de um modelo, assim como a presença de airbags e freios ABS em todas as unidades, dentre uma infinidade de normas e burocracias, aumentam o custo de operação de um fabricante em um mercado.
Novamente, vantagem para os chineses. Por lá, existe pouca ou nenhuma regulamentação e exigência governamental em relação à qualidade dos modelos vendidos. Praticamente qualquer automóvel pode ser vendido por lá, mesmo que tenha saído de linha há décadas em seu país de origem. Todo o processo produtivo ocorre com mais agilidade em relação aos países ocidentais, com legislação menos rígida, mais simples e barata de cumprir.
Neste aspecto, América do Norte e Europa aparecem em grande desvantagem, posto que apenas modelos de tecnologia de última geração atendem às exigências. Homologar um automóvel em consonância com as normas custa muito mais caro em relação a mercados emergentes.
O Brasil, por sua vez, tem adotado legislações de segurança e emissões veiculares mais próximas das aplicadas nos mercados desenvolvidos. Por um lado, aprimora-se a qualidade, segurança e respeito ao meio ambiente de nossos produtos. A contrapartida fica por conta dos maiores custos de P&D e produção, encarecendo ainda mais os veículos vendidos por aqui. E “exportando” nossos empregos e investimentos para a China.
GRAU DE EXIGÊNCIA DO CONSUMIDOR
O sonho do apaixonado por carros brasileiro consiste em tornar os motoristas daqui tão esclarecidos como os alemães. Assim, o padrão de qualidade de nossos automóveis exigido será como os da pátria da Volkswagen.
Por sua vez, o sonho de todo executivo de montadora consiste em manter o nível de exigência do consumidor o menor possível. Tecnologia e inovação custam caro, pressionam os custos de engenharia e produção, exigem treinamento dos trabalhadores e da rede autorizada e, pior de tudo, reduzem as margens de lucro.
Mais uma razão da predileção dos fabricantes pelo mercado chinês. Os consumidores de lá compram qualquer plataforma com um motor, volante, banco e quatro rodas. Assim como as autoridades permitem a venda de qualquer produto, há consumidores ávidos por adquiri-los. Em comparação com o consumidor do sudeste asiático, o brasileiro se mostra muito rigoroso e exigente.
Com custos de produção baixíssimos e margens de lucro gordas, os mercados do sudeste asiático se mostram o sonho dourado dos fabricantes de carros. Novamente, o Brasil fica de lado.
CUSTO DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO
Neste assunto já abordado nos itens acima, o paradigma se mostra claro. O custo de pesquisa e desenvolvimento de produtos para mercados maduros é muito alto, devido ao processo de inovação tecnológica e padrão de qualidade rígido. Na atualidade, não se cria um novo produto com investimentos menores que US$ 800 milhões em fabricantes americanos, europeus ou japoneses.
Mercados emergentes como o Brasil preferem produtos locais, simplificados em relação ao comercializados nas matrizes. Assim, pode-se reduzir os custos de produção sem prejudicar o atendimento das exigências legais, menos rígidas nestes países. Um projeto específico para mercados emergentes recebe orçamento em torno de US$ 100 milhões e pode ser comercializado em diversos lugares, com maiores margens de lucro.
A China fica na primeira posição novamente neste quesito. A maior parte dos veículos vendidos por lá chega pronto para produção, e os modelos desenvolvidos localmente exigem investimentos pequenos, posto que se tratam de adaptações e simplificações de veículos já existentes no resto do mundo.
Os modelos de última geração também vendem muito bem por lá. Igualzinho ao alemão. Em um mercado que engloba um quarto da população do planeta, há espaço para todos os produtos.
LUCRATIVIDADE
Este é o aspecto definitivo. A síntese das outras cinco variáveis. Poucas despesas e altos lucros ocorrem com frequência em mercados com grande potencial de crescimento a curto e médio prazo, com muitos consumidores, pouca regulamentação, consumidores pouco exigentes e baixos custos de produção.
Esta é a descrição perfeita do mercado chinês.
Uma miscelânea enorme de outros parâmetros podem compor um modelo mais completo que este exemplo, conforme os objetivos das empresas. O ponto comum sempre será a busca da lucratividade, sem exceção.
QUESTÃO DE SOBREVIVÊNCIA
Os mercados desenvolvidos se mostram a antítese da busca por lucro, como as células em vermelho mostram. Especialmente O mercado europeu, sem perspectiva de crescimento, muito regulado, com altos custos de operação e baixas margens. A América Latina não tem vigor econômico suficiente para compensar a estagnação europeia e a Volkswagen nunca obteve grande penetração no mercado americano.
Sem dúvida, a Volkswagen viveria crise profunda sem a expansão para a China. Dado o desafio, priorizou este enorme mercado e fez sua escolha de Sofia: fazer um design padronizado e sem criatividade para conquistar o mercado chinês ou manter a diversidade visual entre os modelos e manter os consumidores que já tem?
Escolheram a primeira opção. E compensaram os europeus com um banho de tecnologia de ponta, eficiência e baixo consumo, os quais não chegaram por aqui com força. Ganharam a Ásia e perderam as Américas.
Na hora dos resultados financeiros, se mostrou uma boa troca, pois quem coloca recursos no caixa da empresa são a massa dos consumidores, não uma minoria de apaixonados por carro. E ao olhar um Volkswagen de frente, a empresa não liga se continuarmos confundindo um Gol com um Jetta, pois todo dinheiro tem a mesma cara.
Excelente matéria
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Muito esclarecedora essa matéria, parabéns aos editores.
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Excelente matéria. Concisa,direta,muito sucinta.Parabéns !!!
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