Pular para o conteúdo

Por que os carros chineses devem ser levados a sério

byd song mpv futuro carros chineses

BYD Song MPV, minivan chinesa a ser lançada em breve. Créditos da foto para o site CarsNewChina.com

Em 2007, os automóveis fabricados na China iniciaram suas vendas em território brasileiro com o lançamento do Effa M100, uma experiência terrivelmente mal-sucedida.

A qualidade apresentada era tão sofrível a ponto de uma famosa publicação automotiva interromper um teste de longa duração, em um total de 60 mil quilômetros antes do final pela falta de condições de segurança e durabilidade.

Assim, os carros made in China ganharam a (justa) fama de péssima qualidade, até o momento. Tecer críticas mordazes e fazer piadas com estes fabricantes e modelos virou esporte entre os motoristas daqui.

Porém, precisamos analisar a história de outros fabricantes asiáticos, os quais seguiram o mesmo caminho no passado, para projetar o futuro das marcas chinesas para não “queimar a língua” daqui a dez ou vinte anos.

O assunto deste post consiste na análise das trajetórias de fabricantes japoneses e coreanos e sua contextualização com os atuais chineses.

Com o passar dos anos, os produtos chineses apresentam notável evolução. O executivo Sergio Habib investiu pesado nos modelos da JAC Motors para mostrar a evolução dos fabricantes daquela nacionalidade, com um marketing baruilhento. Obteve relativo sucesso até o momento.

Com mais discrição, as marcas Chery e Lifan também aprimoraram seus modelos. Em comparação com os pioneiros, as melhorias se mostram notáveis, apesar de ainda não terem tornado os modelos competitivos em relação às marcas já estabelecidas.

Entretanto, ainda não apresentam a qualidade exigida pelo público tupiniquim e suas vendas se mostram muito baixas. Os críticos apontam os preços muito próximos das marcas tradicionais e a falta de estrutura de concessionárias, oficinas e peças.

O assunto já foi abordado no Educação Automotiva em 2015 nos artigos Vale a pena comprar carro chinês? e Carta aberta à marca chinesa JAC Motors e recebe atualização neste momento.

FABRICANTES JAPONESES E COREANOS EM DÉCADAS PASSADAS TAMBÉM FIZERAM O MESMO MOVIMENTO

MARCAS JAPONESAS

Para compreender o momento dos modelos chineses, precisamos retornar aos anos 1960, no mercado norte-americano. Havia uma hegemonia do trio de ferro (GM, Ford e Chrysler) e suas sub-marcas com os conhecidos modelos grandes, potentes e exuberantes. Por outro lado, os japoneses desejavam novos mercados além da terra do sol nascente, observaram que não havia modelos compactos à venda no maior mercado da Terra à época. Assim, os principais fabricantes nipônicos se lançaram no país do Tio Sam com modelos baratos e econômicos.

A princípio, os modelos de Honda, Toyota, Nissan e outras se mostraram um grande fracasso e motivo de ojeriza dos patrióticos americanos. O padrão de qualidade era sofrível, com baixa confiabilidade, desempenho anêmico, design tímido e pouco espaço interno. A percepção daqueles consumidores não diferia muito da que os brasileiros alimentam sobre os modelos chineses na atualidade.

Os anos 70 trouxeram a crise do petróleo e o aumento do interesse dos ianques por modelos compactos e econômicos como corolário. A grande especialidade nipônica. Assim, estas marcas avançaram em vendas no mundo todo.

Outro destaque consistiu nos esportivos baratos, compactos e ágeis feitos naquele país, os quais conquistaram muitos fãs a partir daquela década e produz modelos lendários como Nissan GT-R, Honda NSX e Mazda RX-7.

No final da década de 70 veio a grande sacada: os japoneses perceberam que as principais queixas dos consumidores norte-americanos consistiam no alto número de falhas dos veículos e do elevado consumo de combustível.

Então, começaram a trabalhar pesado em qualidade, eficiência e confiabilidade para construir a reputação da qual as marcas nipônicas desfrutam hoje: de “carros duráveis” e “carros que não quebram”, alimentadas por pesadas campanhas de marketing.

A partir dos anos 80, os resultados começaram a aparecer. Houve crescimento de vendas explosivo em todo o mundo, impulsionado pelo maior mercado do mundo e difusão da fama de carros eficientes e confiáveis, algo que se mostrava um diferencial à época. Os preços módicos, equipamentos de série, manutenção simples e barata e o baixo consumo de combustível compensavam o desempenho deficiente, estilo ainda tímido e menor espaço interno em relação às marcas tradicionais.

Por outro lado, as quatro marcas tradicionais investiram pesado na modernização de seus produtos, trazendo modelos alinhados com os principais mercados e dificultando a vida dos japoneses. Ao comprar um sedã médio, poucos cogitavam adquirir um Honda Civic ou um Toyota Corolla ao invés de um Chevrolet Vectra ou um Volkswagen Santana. O início das nipônicas foi duro por aqui. Por outro lado, a construção de fábricas em solo brasileiro iniciou uma nova fase em nosso mercado.

Avançando com esta filosofia, a grande novidade para os brasileiros veio nos anos 90, após a abertura das importações com a chegada de novas marcas por aqui. Ao adentrar um mercado fechado, com poucas opções e dominado por quatro grandes fabricantes, os japoneses tiveram que percorrer o mesmo caminho que trilharam trinta anos antes nos Estados Unidos.

Enquanto todos ficavam fascinados com o grande avanço tecnológico trazido pelas newcomers de vinte anos atrás, outros as observavam com ceticismo. No início da abertura, muitas marcas iniciaram a venda dos veículos descuidando do pós-venda. Isso resultou em escassez de peças de reposição para alguns modelos e danos à imagem de todas, agravados pelas pesadas campanhas de marketing das quatro grandes (VW, GM, Fiat e Ford).

Nos mercados desenvolvidos, houve consolidação das marcas, as quais passaram a ser tratadas em pé de igualdade com as tradicionais em solo americano. É fato que os modelos japoneses e coreanos nunca obtiveram grande êxito na Europa, mas conquistaram seu mercado cativo. No Oriente, garantiram a quase totalidade das vendas em mercados emergentes, alçando a Toyota ao posto de maior montadora do mundo em automóveis e comerciais leves e a Honda em motocicletas.

Dos anos 2000 em diante, as marcas japonesas igualaram as demais em reputação e vendas, competindo de igual para igual no mundo inteiro. Operam com toda e qualquer linha de veículos, desde subcompactos para países emergentes até superesportivos. O modelo mais vendido da história é o Toyota Corolla, com 44 milhões de unidades vendidas em seus 50 anos. Nos EUA, a marca lidera as vendas de automóveis. No Oriente, são líderes absolutos. No Afeganistão, 80% dos carros vendidos são versões do Corolla.

Aqui no Brasil, ganharam mercado rapidamente e angariaram uma legião de fãs. Honda e Toyota dominam o segmento de sedãs médios e é quase impossível pensar em qualquer compra sem cogitar um modelo japonês.

MARCAS COREANAS

Vinte anos depois, os sul-coreanos começaram a trilhar o longo e árduo caminho que os vizinhos japoneses enveredaram nos anos 60. Os primórdios da indústria automotiva deste país se baseou na imitação de projetos já consagrados e fabricação sob licença de modelos fora-de-linha de outras marcas. O baixo preço de aquisição e boa oferta de equipamentos consistiam nos chamarizes dos primeiros produtos oferecidos por Daewoo, Hyundai e Kia Motors.

A abertura das importações no início dos anos 90 ocorreu simultaneamente à expansão das montadoras sul-coreanas, as quais entraram em nosso mercado em conjunto com todas as demais, incluindo as japonesas. Alguns modelos coreanos obtiveram vendas expressivas, com destaque para o sedã Espero, da Daewoo, a van Besta, da Kia Motors e os utilitários Topic e Towner, da Asia Motors.

A história não se mostrou favorável com a Daewoo, a qual pediu concordata e teve a massa falida comprada pela GM, nem com a Asia Motors, que também não sobreviveu ao mercado competitivo. Os nomes Towner e Topic foram comprados pela chinesa Hafei Motors, que hoje comercializa modelos chineses de mesmas categorias no Brasil.

As primeiras representações comerciais das marcas coreanas se mostraram tímidas – muitas vezes precárias – pois as fábricas não demostraram interesse pelo Brasil nem davam suporte para os importadores. Os produtos não se mostravam competitivos, a qualidade era questionável e a falta de peças ocorria com frequência.

Em suma, o cenário pra os modelos sul-coreanos nos anos 90 pouco diferia do atual vivido pelos chineses.

Cientes de suas deficiências, as marcas da Coreia investiram pesado em pesquisa e desenvolvimento, design, qualidade, expansão da rede e conquista de novos mercados. O atrativo de bom custo/benefício se manteve ao mesmo tempo em que a qualidade e design evoluíram de forma expressiva, fazendo as coreanas ganharem mercado rapidamente em todo o planeta, especialmente a Hyundai.

No Brasil, o modelo que virou o jogo foi o Hyundai Tucson, lançado em 2005, fabricado pela CAOA até os dia de hoje sem alterações. Os modelos i30, Santa Fé e Vera Cruz se juntaram ao SUV compacto e fizeram as vendas decolarem. Os “primos” da Kia, Sportage, Cerato e Picanto também alçaram a marca à relevância.

Porém, poucos se lembram do maior sucesso das duas coreanas por aqui: os caminhões urbanos Kia Bongo e Hyundai HR, sendo este último líder em sua categoria. A expressividade da marca no Brasil motivou a Hyundai a entrar oficialmente no Brasil com um modelo feito especialmente para o nosso mercado: o HB20. A sigla HB significa “Hyundai Brasil” e 20 é o porte do carro (compacto), similar ao seu irmão europeu i20.

O HB20 é um sucesso estrondoso desde o lançamento e o segundo mais vendido do Brasil atualmente. Deu origem a toda uma família e alçou a Hyundai ao terceiro lugar em vendas, desbancando as tradicionalíssimas Fiat e Ford e as newcomers japonesas Honda e Toyota em unidades comercializadas.

No mercado europeu, Hyundai e Kia não atingiram vendas expressivas nem grande prestígio, assim como suas rivais japonesas. Nos EUA, a estratégia funcionou muito bem: com o mote de carro “bom, bonito e barato”, alcançou o quinto lugar em vendas de automóveis, tomando a frente de marcas longevas como Honda, Dodge, Chrysler e Volkswagen em poucos anos.

Assim como as japonesas, as fabricantes sul-coreanas mostraram crescimento explosivo e foram alçadas à elite automotiva.

Confira no quadro abaixo a evolução dos fabricantes japoneses e sul-coreanos, juntamente com alguns modelos chineses:

E ENTÃO,O QUE ESPERAR DAS CHINESAS?

Em 20 anos de Brasil, as montadoras japonesas e coreanas passaram da total irrelevância para brigar pela liderança cabeça-a-cabeça com marcas que estão há mais de oitenta anos em nosso mercado, como as norte-americanas General Motors e Ford.

A Hyundai passou de renegada há vinte anos para terceira colocada em vendas em 2017. Almeja ser líder de mercado até 2020. Honda e Toyota passaram de ilustres desconhecidas, com baixo volume de vendas, para marcas respeitadas e referência de qualidade e vanguarda em tecnologia nos dias de hoje, em nível global. Este fenômeno ocorreu em pouco mais de vinte anos.

Contada a trajetória dos fabricantes japoneses e coreanos, pode-se deduzir que os chineses se encontram no estágio que os japoneses se encontravam nos anos 60 e os coreanos nos 80, com produtos ainda incipientes e progredindo rapidamente no aspecto técnico.

Com a atual rapidez no desenvolvimento tecnológico, é possível que a indústria automobilística chinesa se equipare à estabelecida em prazos muito curtos, podendo resultar em um grande fabricante mundial nos próximos dez anos. Qual é a favorita? JAC Motors? Chery? BYD? Great Wall? Lifan? Não há como saber.

Algumas desaparecerão ou serão compradas durante o processo, como ocorreu em toda a história. Muitos se mostram céticos, afirmando que a qualidade dos produtos é tão ruim que não vendem bem nem no próprio mercado – o que é verdade. Citar-se-á a Gurgel, grande promessa brasileira que não vingou, ou a indústria britânica que se desintegrou a partir dos anos 80.

Ao final de tudo, conclui-se que o futuro pode trazer muitas surpresas com relação aos carros chineses. Nos anos 70, carros japoneses eram vistos com maus olhos. Hoje a Toyota lidera o ranking mundial de vendas, corpo-a-corpo com Volkswagen e Ford. Há vinte anos, comprar um Hyundai no Brasil se mostrava algo temerário. Atualmente, seu principal modelo é o vice-líder de vendas e a empresa alcançou o terceiro lugar no ranking de marcas. Dizer que pretende levar para a garagem um JAC, Chery ou Lifan fará muitos de seus parentes ou amigos rirem de você agora, mas quem não garante que serão ótimas opções de compra em 2027?

Curta Educação Automotiva no Facebook e confira os artigos publicados recentemente!

6 Comments »

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

%d blogueiros gostam disto: