Lembranças automotivas da minha infância, parte 3
Continuando a série de posts sobre as lembranças automotivas de minha infância, falarei na parte três sobre a precariedade da segurança dos veículos daquela época, assim como a falta de conscientização dos motoristas e todas as ações consideradas normais naqueles tempos, mas que hoje consistem em enormes irresponsabilidades. Esta matéria causará surpresa e indignação em muitos. Vamos conferir nos parágrafos abaixo.
1. Pouquíssimos motoristas usavam cinto de segurança
Até a sanção da lei a qual obrigava todos os veículos novos receberem cintos de segurança transversais, em meados dos anos 70, e de três pontos, no fim dos anos 80, o equipamento era considerado acessório esportivo. Coisa de playboy. Raríssimos veículos os tinham no banco traseiro, mesmo entre modelos de luxo.
E como não havia regra que punisse a falta de seu uso, quase ninguém o afivelava, pois alegava grande incômodo e restrição de movimentos. Em 1994, houve uma alteração no CTB (Código de Trânsito Brasileiro) prevendo multas para quem não utilizasse o cinto de segurança. Este foi o ponto inicial da difusão de seu uso. Mesmo com avanços, apenas 70% o usa nos assentos dianteiros e menos de 40% nos traseiros nos dias de hoje.
2. Exceder o limite de passageiros era considerado normal
Naqueles tempos, as famílias numerosas, com quatro ou mais filhos, eram mais comuns. Visto que a maioria dos carros possuem cinco lugares, o transporte de passageiros em excesso se mostrava frequente. Pior ainda, os motoristas se vangloriavam do espaço interno e da “valentia” de seus veículos.
No caso das peruas, veículos de proposta familiar, também se transportavam passageiros no porta-malas sem nenhum constrangimento. Não havia fiscalização, e raramente alguém era multado por exceder o número de ocupantes.
3. Exceder o limite de carga também era aceito
Automóveis completamente carregados, especialmente peruas, com bagageiro de lona externo e porta-malas cheio até o teto, tapando completamente a visão traseira. Devido ao subdimensionamento da suspensão, a carga fazia a traseira do veículo abaixar quase dez centímetros, ficando rente ao chão. Dessa forma, o motorista viajava centenas de quilômetros com a família e a tralha a bordo. Atualmente, o trajeto resultaria em apreensão do veículo no primeiro posto policial.
4. Transportar crianças no colo das mães no banco da frente não era visto como problema
Da forma como aparece na primeira foto deste post. O fato de os adultos não usarem cinto de segurança já era temerário por si só, e para agravar o quadro, as crianças andavam livremente nos assentos dianteiros, assim como no colo de suas mães, pais e outros parentes. Era uma atitude vista como normal, apesar dos acidentes horripilantes que ocorriam por causa deste costume.
Crianças eram arremessadas no para-brisa em freadas e eram arremessadas para fora do veículo em impactos, resultando quase sempre em mortes. Nos automóveis modernos, tal costume se mostra ainda mais perigoso, devido aos airbags, os quais inflam a mais de 300 km/h. Em um acidente nestas condições, as bolsas causariam o óbito tanto da criança quanto do adulto que a segura, inviabilizando totalmente este costume bárbaro. Saiba mais sobre o funcionamento dos airbags neste link.
5. Os carros eram absurdamente inseguros
Apesar de os automóveis brasileiros ainda estarem atrasados em questões de segurança, a situação se mostrava muito pior há trinta anos. Mesmo os itens mais banais representavam perigos aos ocupantes. Abaixo, uma lista dos itens mais perigosos que equipam os veículos antigos.
5.1 Vidros
Os vidros não eram laminados, o que significava que eles estilhaçavam em impactos e causavam sérios ferimentos no rosto dos ocupantes, os quais eram arremessados contra eles nos impactos frontais, pois poucos usavam os cintos de segurança.
Outro problema comum consistia em sua má fixação, a qual fazia a janela descolar da carroceria, permitindo que passageiros soltos no interior fossem arremessados para fora do veículo, resultando em mortes na maioria dos casos.
5.2 Bancos
A ancoragem dos bancos se mostrava problemática, e uma ocorrência frequente consistia no desacoplamento do assento em caso de impacto, arremessando o ocupante contra o pára-brisa, mesmo que este estivesse como cinto de segurança afivelado. Um defeito comum nos carros da época era a corrosão, e caso ela ocorresse na área de fixação dos assentos, fragilizava a estrutura e poderia causar a desancoragem dos assentos.
5.3 – Plásticos e painéis
Os painéis eram fabricados em plástico duro ou metal, e seus desenhos apresentavam muitas quinas e cantos vivos, os quais feriam os ocupantes em caso de acidente. Outra questão residia na fragilidade dos materiais, os quais se partiam em formas pontiagudas, causando mais lesões.
5.4 – Motor e estrutura
Nos automóveis fabricados a partir de meados dos anos 90, a zona de deformação programável passou a ser requisito de qualquer novo projeto. Seu principal trunfo consistia na deformação ordenada da estrutura, a qual facilitava o resgate de vítimas que deixavam de ficar “presas nas ferragens”, facilitando o trabalho dos bombeiros e paramédicos.
Outro avanço em matéria de segurança consistiu na zona de deformação frontal, a qual empurra o motor para baixo do assoalho nos impactos dianteiros, preservando os ocupantes e o interior do veículo. Nos projetos antigos, o motor atravessava a parede de fogo e invadia o habitáculo, ferindo severamente os ocupantes, os quais sofriam queimaduras pelo metal e fluidos quentes da parte mecânica.
Infelizmente, as estatísticas de violência no trânsito se mantém elevadas em relação aos países desenvolvidos. Desde o início da série histórica feita pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-americanos, em 1980, a mortalidade se mantém entre 15 e 25 mortes por 100 mil habitantes (confira neste link).
Por outro lado, vale ressaltar que nossa frota se multiplicou por dez nesse intervalo, e houve grande queda no número de óbitos de pedestres e ocupantes de veículos. Portanto, podemos afirmar que grande parte desta redução se deve à melhoria da segurança veicular nos automóveis mais modernos, a legislação mais rígida e na lenta melhoria na educação no trânsito.
Se nos dias de hoje a situação não é das melhores, conclui-se indiscutivelmente que no passado as condições se mostravam muito mais precárias.
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